O Pintor de Girassóis (Le Peintre de Tournesols) é o retrato de Vincent van Gogh pintado por Paul Gauguin em dezembro de 1888.
A primeira mirada de quem observa o quadro há de se dirigir para o pintor, logo identificado com a figura de van Gogh. Mas a imagem se parece muito mais com as figuras humanas pintadas por Gauguin do que com o próprio van Gogh. A barba e o bigode têm forte tonalidade laranja/ocre, na tentativa de reproduzir a barba ruiva do artista. O paletó é feio, tosco, grosseiro mesmo.
O artista, com o braço direito estendido e segurando o pincel com mão delicada, trabalha em um de seus temas proferidos, os girassóis. A mão esquerda segura a paleta.
Pode surgir daí uma primeira ilusão, a de que o homem retratado está a pintar exatamente as flores que tanto aprecia! O pincel parece tocar mesmo uma pétala amarela do girassol. A observação mais atenta revela que se trata de um vaso azul, onde estão dispostos (ou plantados?) os girassóis, e que este mesmo vaso está posto sobre uma cadeira de palhinha, motivo de outro quadro famoso do holandês, A cadeira de van Gogh e seu cachimbo (1888). Apenas a flor que o pincel toca tem as pétalas desenhadas; as três flores inferiores estão incompletas, o seu miolo com a mesma cor da barba de van Gogh, o que indica que a pintura está em andamento.
O observador, tomado pela beleza do quadro, só agora percebe na sua extremidade superior esquerda, uma tela sobre um cavalete, pintada exatamente de perfil, de modo a revelar apenas a estreita face lateral da tela – o suporte da obra de arte. Na realidade, as flores que aparecem no quadro não são pintadas por van Gogh, nem mesmo é certo que van Gogh esteja pintando girassóis; o que ele pinta, Gauguin não revela! E nem poderia revelar: a arte de van Gogh é única, inimitável, os girassóis de van Gogh, só ele poderia pintar.
(Cabe aqui uma divagação: teria sido esta uma manifestação de humildade do Paul Gauguin, amigo e admirador do holandês? É possível, embora a ideia não seja muito condizente com o que conhecemos do caráter de Gauguin.)
Por fim, vale a pena que o observador aprecie o último plano, ou o fundo da pintura. De baixo para cima destaca-se um belíssimo azul delicado, azul-água – a segunda possível ilusão, a de que se trate de um pequeno lago –, a quebrar os tons fortes do modelo e das flores; uma observação mais atenta sugere que se trata da parede do aposento onde estão o pintor e seu modelo; no lado esquerdo da tela, de cima até quase sua parte inferior, vê-se pintura esmaecida, azul-amarelada, a completar a parede do interior; parece tratar-se de espécie de janela, por onde se pode observar três faixas de cores diferentes. (Quem me alertou para a existência dessa parede foi meu irmão Paulo, arguto observador!) Logo acima, um amarelo também mais suave, semelhante ao do acento da cadeira, possivelmente correspondendo a uma faixa de terra; segue-se a faixa verde-escuro vegetal, com três troncos de árvores cinzentos; por fim, o que parece ser um muro pintado de violeta desbotado. Acima do muro, casas e seus telhados.
O retrato foi pintado quando Gauguin visitou van Gogh em Arles. Vincent solicitava com insistência a visita do amigo. Gauguin viajou depois que o irmão de Van Gogh, Theo, dispôs-se a pagar seu transporte e demais despesas, permanecendo em Arles por apenas dois meses; os dois pintores brigavam muito, Vincent acabando por mutilar sua orelha esquerda depois de uma discussão entre eles.
Em carta a Theo, irmão de Van Gogh, em 1888, Paul Gauguin escreveu:
"Sou obrigado a voltar para Paris. Vincent e eu não podemos de modo algum continuar vivendo lado a lado sem atritos, devido à incompatibilidade de nossos temperamentos e porque nós dois precisamos de tranquilidade para nosso trabalho. Ele é um homem de inteligência admirável que tenho em grande estima e deixo com pesar, mas, repito, é necessário que eu parta."
A impressão que van Gogh teve de O pintor de girassóis foi a de que havia sido retratado como um louco.
http://lounge.obviousmag.org/cafe_amargo/2012/12/a-tragica-relacao-de-van-gogh-e-gauguin.html
O quadro é impressionante e a mirada do cronista, sagaz.
ResponderExcluirComo é bom ver esse quadro nas cores atentas do cronista Louco. Faça mais isso, André. Nos ajude a enxergar.
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