Não faz muito tempo este blog tratou do uso do ponto e vírgula, inspirado em crônica do grande Sergio Rodrigues.https://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/04/ponto-e-virgula.html
O assunto, aparentemente fora de moda e desinteressante, suscitou boas conversas com mais dois amigos, e ainda permanece em pauta.
Poucos dias depois, esse blog cuidou das diferenças entre poesia e prosa, a partir de magnífico fragmento de artigo de Noemi Jaffe, publicação da Revista Serrote. https://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/04/poesia-ou-prosa.html
A autora se utiliza de dois curtos parágrafos para chegar à pergunta fundamental: Guimarães Rosa escreve prosa ou poesia em Grande Sertão: Veredas e em outros contos?
Agora, a tarefa a que se propõe este blogueiro – mais conhecido como Louco – é a de juntar ambos os assuntos – Poesia-Prosa e Pontuação – em um único texto, e encontrar respostas no próprio Rosa. O que parece impossível torna-se factível com a leitura de um certo parágrafo de Canto geral, conto que abre o primeiro volume de Corpo de Baile, de Guimarães Rosa (Ed. Nova Fronteira, 2006 – Edição Comemorativa de 50 anos).
Transcrevo o parágrafo em questão:
“Esse dia – foi em hora de almoço –: ele Miguilim ia morrer! – de repente estava engasgado com ôssinho de galinha na goela, foi tudo tão: ...malamém... morte... – nem deu tempo para idéia nenhuma, era só um errado total, morrer e tudo, ai! –; e mais de repente ele já estava em pé em cima do banco, como se levantou, não pediu ajuda a Pai e Mãe, só num relance ainda tinha rodado o prato na mêsa – por simpatia em que alguma vez tinha ouvido falar – e, em pé, no banco, sem saber de seus olhos para ver – só o acima! – se benzia, bramado: – Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo!... – (ele mesmo estava escutando a voz, aquela voz – ele se despedindo de si – aquela voz, demais: todo choro na voz, a força; e uma coragem de fim, varando tudo, feito relâmpagos...) Des-de-repente – ele parecia que tinha alto voado, tinha voado por uma altura enorme? – era o pai batendo em suas costas, a mãe dando água para beber, e ele se abraçava com eles todos, chorando livre, do ossinho na goela estava todo salvo.” (p.29) (A grafia é a original, com circunflexo em ôssinho e tudo.)
Em resposta à primeira questão, fica evidente que Rosa subverte todas as regras passadas, presentes e futuras relativas ao emprego da pontuação, não apenas com relação ao ponto e vírgula, mas também com o travessão, o dois pontos, a própria vírgula, a associação deles todos juntos, travessão seguido de dois pontos, de ponto e vírgula, de parêntesis. É um festival de subversão da gramática, em criatividade única, inigualável, a liberdade da própria oralidade!
Porque João Guimarães Rosa é único e inigualável!
Emendo aqui minhas ideias, ligo uma coisa à outra, e busco responder à segunda questão, levantada por Jaffe, se o gênio escreve em prosa ou poesia. Rosa escreve nem prosa nem poesia: É APENAS ROSA!
O homem reinventou a língua e por isso não pode ser classificado, enquadrado neste ou naquele estilo ou movimento literário – alguns o chamam de pós-modernista, seja lá o que isso queira dizer. Antonio Candido afirma com sabedoria: o regionalismo de Guimarães Rosa é universal.
Assim é que o Louco pretende reunir Poesia Prosa Pontuação em Guimarães Rosa, não para encerrar o assunto, mas para fazer pensar. Puro prazer!
É preciso ter muita ousadia, hem? Que quererá dizer um travessão seguido de ponto-e-vírgula?!
ResponderExcluirGostaria de ouvir do Louco uma terceira possibilidade: trata-se acaso de fabulação?