sábado, 20 de fevereiro de 2021

Longe dos homens



 

Um bom título valoriza um filme; é o caso de Longe dos Homens (Loin des hommes), dirigido por David Oelhoffen e estrelado por Viggo Mortensen (Daru) e Reda Kateb (Mohamed), cuja estreia ocorreu em 2014. O filme é inspirado (e não baseado) no conto de Albert Camus intitulado O hóspede, do volume O exílio e o Reino (Record, 1997). (Está no TeleCine.)

            A história se passa na Argélia, ainda colônia francesa, no período que antecedeu a Guerra da Independência, anos 50. Em meio à paisagem seca, desértica, árida ao extremo, localiza-se a escola onde leciona e mora o professor Daru, um prédio baixo, de bom tamanho, no meio do nada. A fotografia é belíssima, apesar do nada. No filme somos logo apresentados à classe: espaçosa sala de aula, carteiras bem postas, o quadro-negro, um grande mapa da África, os pequeninos atentos à fala do afetuoso  professor. (No conto de Camus a presença dos alunos é apenas sugerida.)

            Daru, embora argelino, descende de família espanhola, e por isso é rejeitado tanto pelos franceses quanto pelos colonizados; ele é determinado em seu objetivo:  alfabetizar as crianças daquele ermo. O  trabalho é violentamente interrompido por um certo militar que traz até a escola um árabe como prisioneiro e incumbe o professor de conduzi-lo à cidade mais próxima onde será julgado pelo assassinato de um primo.

            A princípio o professor recusa a estúpida tarefa, discute com o militar, sugere ao prisioneiro que fuja, quando afloram interessantes dilemas éticos e filosóficos entre os personagens. (O conto acaba por aqui.) Daru decide levar o prisioneiro, e a partir de então diretor e roteirista criam narrativa repleta de ação com participação dos rebeldes argelinos, e ao final, do exército francês. Violência, ameaça constante de morte, ética e filosofia estão presentes em todo o transcorrer do drama.

            (Repete-se, às tantas, a velha desculpa para ações criminosas, em especial para os crimes de guerra: “Eu apenas cumpro ordens”, informa o oficial francês.)

Ao final, como que por milagre, Daru e Mohamed são libertos; o professor retorna à escola; o árabe escolhe seu destino. O filme termina com o aviso que aquela será a última aula – a guerra está para começar –, o que enche de lágrimas os olhos das crianças.

            No início do texto informei que Longe dos homens não se baseia no conto de Camus, pois ele se refere apenas aos minutos iniciais do filme, a apresentação da paisagem e dos protagonistas. Mas é extraordinário que um diretor de cinema, provavelmente com a ajuda de um bom roteirista, que ambos possam se inspirar em Camus e elaborar história tão rica em aspectos humanos e históricos, a partir de um conto quase singelo.

Um raro exemplo (ou nem tão raro assim) do cinema que supera a literatura. 

            

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