Cheguei a pensar que vivíamos em uma democracia!
A razão é simples e não me deixava dúvidas: o Presidente da República é xingado com os mais baixos adjetivos fornecidos pela nossa rica língua portuguesa nas mais diversas mídias, em particular pelos chamados grandes jornais de circulação nacional. Helio Schwartsman afirmou que “ele é burro mesmo”. Hoje (6 dez 2020) o grande Ruy Castro chamou-o de “demente”. O colunista José Simão usa e abusa das expressões as mais chulas. A lista de articulistas que adjetivam o Presidente é interminável.
Foi Mario Sergio Conti com elevou a descrição do Presidente à enésima potência: “O presidente é aquilo que a sua camarilha da caserna dizia: um Cavalão com maiúscula. Cavaleiros da elite quiseram botar-lhe cabresto e tomaram coices. Arisco, ele relincha e baba fel nos que tentam ajudá-lo. É uma besta. Besta fera política, um quadrúpede da extrema direita. Não adianta tomá-lo por interlocutor. Mesmo xingá-lo é inócuo. ...É de caso pensado que ele bate os cascos no asfalto e provoca faíscas. Acha que as centelhas da idiotice disfarçam o tropel trôpego do seu desgoverno.”
Ele, o Presidente, não deixa por menos e diz que os brasileiros somos “maricas”. E nada acontece, ninguém é processado, é a intocável Liberdade de Expressão da qual se ufanam os democratas.
Parece que não é bem assim.
O escritor João Paulo Cuenca, 42, está sendo processado por pastores evangélicos de 21 estados brasileiros, por causa de postagem em rede social. São 134 ações judiciais, perfazendo R$ 2,3 milhões em pedidos de indenizações. A reportagem é de Bruno B. Soraggi, para o blog de Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo (5 dez 2020), com o título Não estou clamando pelo enforcamento dos Bolsonaros.
Publicou Cuenca: “O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal”. O texto foi inspirado em frase de Jean Meslier, autor do século 18, que afirmou: “O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”.
Informa Soraggi: “Dois dias depois do post, o autor foi demitido da Deutsche Welle (DW) no Brasil, veículo público alemão de comunicação no qual ele era colunista desde 2019. A empresa emitiu nota alegando que a mensagem publicada pelo escritor contraria os seus valores.”
Cuenca explica sua paráfrase: “A República tem que ser soberana e livre da influência de grupos religiosos e de famílias milicianas. ...O que está acontecendo é prova de que tenho razão. ...Os pastores evangélicos sabem o que é metáfora, eles usam o Evangelho diariamente para seduzir os seus rebanhos. São leitores do livro que tem mais linguagem figurada da história da humanidade: a Bíblia. Até os beócios dos bolsonaristas sabem.”
“A Folha mostrou que em dezenas das ações contra Cuenca há trechos idênticos e que mostram o uso de modelos de redação, o que pode indicar ação orquestrada. A Igreja Universal nega uma coordenação de processos, afirma que não moveu “qualquer ação contra o escritor” e que esses processos são iniciativas individuais de pastores “que têm autonomia para tomar as próprias decisões”.
“A minha paráfrase não é contra os cristãos ou os evangélicos. Não sou contra a religião. É uma frase contra essa congregação e o poder político que ela tem”, ressalva Cuenca.
Parece que a tal Liberdade de Expressão tem valor desde que não se toque em certos evangélicos. E dizem que o país é laico.
Perante a liberdade de expressão, todos são iguais, mas parece que uns são mais iguais que outros...
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