segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Insólita cena

 


 

            Estou atento aos mínimos sinais. Até quando, até quando?

            Uma de minhas funções cotidianas é botar a mesa para o almoço, o que faço sem dificuldade, seguindo as regras da boa etiqueta. Ontem, uma surpresa: me deparo com a intrigante imagem de um prato e duas facas dispostos em meu lugar à mesa. Como assim? Assim não posso comer...

 

            Alinhavo de pronto algumas hipóteses para justificar a cena.

            – Uma piada?

            – Simples distração?

            – Pura falta de atenção?

            A última hipótese me atrai, provavelmente devido a repetição do fato em refeições anteriores, não muitas.

 

            Gosto da palavra lunático, que segundo o Houaiss significa “aquele que vive fora da realidade”. Aquele que vive mais na Lua que na Terra. Se estou na Lua, como posso dispor corretamente os talheres na mesa de minha terráquea casa?

            Talvez esta distração possa ser uma das primeiras manifestações do processo de demenciação, a falta de atenção. 

            Alienação também é uma boa palavra para exprimir tais ideias. Voltemos ao dicionário: afastamento,alheamentodistração, são significados registrados e pertinentes. A mente divaga e o corpo vai junto, naturalmente. 

            Já não sou eu quem bota a mesa? Que outro será este? Permaneço atento aos mínimos detalhes, na tentativa de manter o Eu no lugar onde sempre esteve.

            Ou se trata apenas de uma piada?

            

Um comentário:

  1. Um velho koan budista indaga:
    "Como bater palmas com uma só mão?"
    O louco contrapõe:
    "Como fazer uma refeição com duas facas?"
    Quem souber responder encontrou o Nirvana...

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