A segunda onda está confirmada, não só na Europa como também nos Estados Unidos, e parece que agora chega ao Brasil.
Fala-se no clima: a aproximação do inverno é a explicação mais fácil para o recrudescimento da peste na Europa; pessoas confinadas em ambientes fechados, isso favoreceria o contágio. Porém, China, Taiwan, Coreia do Sul mantêm a doença sob controle, apesar do clima frio.
Hipótese plausível é aventada por Hélio Schwartsman em sua crônica de hoje para a Folha de S. Paulo (18 nov 2020), a do “esgotamento do ego, um nome pomposo para cansaço. As pessoas conseguem manter-se disciplinadas, mas não indefinidamente. A força de vontade tem limites.” Viagens de férias, festas, vida noturna são manifestações de esgotamento do ego, responsáveis pela tal segunda onda, o que parece estar acontecendo em São Paulo.
O psicólogo Roy Baumeister afirma que “o autocontrole funciona como um músculo, sujeito a episódios de fadiga, mas que também pode ser fortalecido por exercícios.”
Schwartsman recomenda o autocontrole, o que estão conseguindo na Ásia, já que a vacinação em massa ainda vai demorar. Pergunto: como exercitar o autocontrole se o ego está esgotado?
Confesso – eu não devia reclamar –, ando esgotado desse isolamento social. Sinto falta de conversar com meus amigos, de ir à livraria, ao cinema, ao restaurante japonês, sinto falta dessas coisas banais da vida cotidiana, como fazer compras no supermercado perto de minha casa, onde conheço todo mundo, converso com os empregados, com a caixa minha amiga, e penso que não é pedir muito. Trata-se apenas de se sentir vivo.
Observo minhas emoções e sentimentos; a tristeza me abate com certa frequência (não se trata da doença chamada depressão, nada disso, tristeza é outra coisa); preguiça, coisa que nunca tive, me ataca ainda pela manhã – vontade de fazer nada; o ato de escrever se torna mais difícil e posso reconhecer o esforço adicional de que necessito para elaborar este pobre texto; pequenos afazeres domésticos, como voltar com os livros consultados para suas respectivas prateleiras, exigem de mim esforço hercúleo, para desespero de minha mulher; a louça do café da manhã precisa ser lavada e pesa uma tonelada.
Shakespeare, em Hamlet, vem em meu auxílio, com um alerta:
“Dormir... talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:
pois quando livres do tumulto da existência,
no repouso da morte os sonhos que tenhamos
devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita
que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.”
Me ajudam nesse tumulto da existência a escrita, a boa leitura, a música – sobretudo os Noturnos de Chopin –, os exercícios físicos. A TV apenas colabora para o embotamento. Será que o ego esgotado pede mesmo o embotamento? Talvez.
E ainda me pedem autocontrole! Puta que o pariu!
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/11/segundas-ondas.shtml
Essa precisava mandar para publicação no jornal!
ResponderExcluirDesfecho magistral. André, no internato ainda, constatei um fato: a resistência (agora a tal resiliência) dos pacientes renais crônicos. Eramm verdadeiros highlanders. Suportavam hipotensões arteriais de 9x3, anemias profundas e até septicemias sem embotamento nenhum. Acostumaram-se a lutar com dragões.
ResponderExcluirImagine o que passaram os judeus no gueto de Varsóvia!... Ou os internados no Carandiru... Ou na Papuda...
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