sábado, 30 de maio de 2020

Oficina do Tobias VI

Folhetim

Sexto encontro

Não há aprendizado sem avaliação, afirmou Paulo Freire, o grande educador brasileiro, assim Tobias deu início aos trabalhos do dia.
            Tenho lido com cuidado todos os textos que os senhores me entregam a cada oficina, faço as observações que julgo pertinentes e os devolvo, e agora é o momento de ouvi-los a respeito do que temos produzido até agora. Saibam os senhores, já fui professor do ensino secundário, no ginásio, como se dizia antigamente, e sei por experiência própria que os alunos não gostam de avaliações, mas como não há alunos nem professores por aqui, vamos a elas.
            Meu nome é Solange, sou de Taubaté, Vale do Paraíba, mãe de dois filhos pequenos, tenho apenas o Curso Normal, sou professora primária. Escrevo em meus cadernos, à noite, quando as crianças e o marido estão dormindo. O desejo de escrever vem então muito forte, mas nem sempre tenho boas ideias. Por isso me impressionou muito o que ocorreu com a moça chamada Moema. Queria conversar um pouco sobre isso. Será que também tenho medo de me revelar?
            Por falar nisso, Tobias, você bem que poderia ter dado uma segunda chance a Moema, mas penso que, quem não deseja se revelar não pode nem abrir a boca; melhor fazer uma psicanálise, replicou Josíres. (Riso geral, como sempre.) Tobias gostou da sugestão da psicanálise e rematou, Mesmo porque a escrita pode ser terapêutica, mas a Oficina não, daí a única obrigação imposta ao grupo, a de escrever, uma linha que seja. Se não pode fazer isso...
            Diógenes, 30, cuiabano, professor de curso secundário, pede a palavra, Tobias, você criticou meu texto pelo uso excessivo de frases curtas. Então resolvi trazer, para a apreciação da classe, o primeiro parágrafo do conto Gato na chuva, de Ernest Hemingway. Com o endereço para quem se interessar em ler o conto todo: http://www.triboletras.com/2017/07/gato-na-chuva-hemingway.html?m=1. Agradeço a Alberto por tê-lo impresso.

“Havia apenas dois americanos no hotel. Eles não conheciam nenhuma das pessoas por quais passaram na escada à caminho de seu quarto. O quarto ficava no segundo andar, de frente para o mar. Também ficava de frente ao jardim público e ao monumento de guerra. Havia palmeiras e bancos verdes no jardim público. Quando o tempo está bom, há sempre algum artista com seu cavalete. Os artistas gostavam de como as palmeiras cresciam e brilhavam as cores que o hotel tinha de frente ao jardim e ao mar. Os italianos vinham de um longo caminho para ver o monumento de guerra. Era feito de bronze e relanceava na chuva. Estava chovendo. A chuva caía das palmeiras, das árvores. A água se amontoava em piscinas no caminho pavimentado. O mar se quebrava numa linha extensa na chuva, voltava para a praia e subia novamente para se quebrar numa linha extensa na chuva. Os motores dos carros já haviam partido da praça do monumento de guerra. De frente à praça, na entrada da porta, um garçom observava a praça vazia.”

            Josíres foi o primeiro a se manifestar, Tenho óóódio! (Gargalhada geral.) Tobias fez uma rápida votação, Quem gostou levanta a mão! Metade da turma gostou, metade não gostou. Tobias parece que já esperava por isto, ele tem experiência. Aproveita e  dá uma aula, Hemingway (1899-1961) é escritor de grande importância, Nobel de Literatura, ganhador do Pulitzer, sofreu grande influência da cultura espanhola ao lutar na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), daí seu magnífico romance Por quem os sinos dobram. O valor dele é inquestionável.
            Vejamos agora, continuou Tobias, o primeiro parágrafo do monumental Inferno Provisório, do nosso Luiz Ruffato (1961-), natural de Cataguases:

“André, André pequeno, Andrezim, parto difícil, até o último suspiro a tia Maria Zoccoli suava ao lembrar: dos que chegaram pelas suas mãos e vingaram, o pior, nasceu sentado, embora doessem-lhe quantos inascidos!, abortos horrendos, monstros, anjinhos semeando o lado de trás, o das bananeiras, das casas das fazendolas nos derredores de Rodeiro, quantos! Andrezim não, vicejou, quase afatigando de vez a Micheletta velha, mulher efêmera, sempre dessangrada, azul-clara de tanta brancura, atrofiada na cama, doente todo ano, embarrigada, esvaindo a mocidade pelos baixios, vinte anos de gravidezes, um estupor, treze rebentos – oito filhas-mulheres –, espigados, cabelos de algodão tão louros, bochechas avermelhadas engordando vestidos de bolinhas, caras apimentadas enchendo calções esgarçados.”

            Senhores, não há certo nem errado no que estamos discutindo. Pão ou pães é questão de opiniães, escreveu nosso Rosa. É mais fácil escrever com frases curtas, há menos chance de errar, assim ensinam todas as oficinas de escrita, exceto a minha: peço que façam o exercício de escrever com frases longas, com fluência, ao sabor do inconsciente. Quando aprenderem – alguns aqui já o fazem –, então poderão escrever facilmente com as curtinhas. Deixo aos senhores a escolha.
            Amanhã continuaremos com as avaliações. Boa tarde a todos.

Um comentário:

  1. Tem razão o Tobias, mas não acho certo inibir a escrita mais telegráfica. Há lugar para todos os estilos, e haverá momentos de apreciar uns e outros. Como nas atitudes: há gente de atitudes e gestos curtos, há os derramados.

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