Folhetim
Quarto encontro
Quem deseja ser escritor precisa escrever todos os dias e é por isso que estamos aqui nessa manhã fria e chuvosa de domingo, para aprimorar nossa escrita, o que é sempre possível e desejável, assim Tobias abre os trabalhos do dia. Quem toma a palavra?
“Meu nome é Suzete, com zê, sou cabeleireira mas só corto cabelo de homem.
O cliente chega, ofereço-lhe a cadeira, pergunto que tipo de corte ele deseja, geralmente me pedem tipo jogador de futebol, inicio o trabalho e o cliente logo percebe um livro sobre a bancada onde ficam os apetrechos de uma cabeleireira, tesoura pente máquina elétrica escova pincel bacia toalha, o livro ali do lado, e o cliente Quem está lendo este livro, é você? ...a mesma pergunta que vocês provavelmente estão se fazendo nesse momento, Como, uma cabeleireira a ler um livro? E afinal que livro é esse? ...pergunta o cliente e perguntam vocês, curiosos e espantados, As irmãs Makioka, de Jun`Ichiro Tanizaki, um clássico da literatura japonesa, respondo, o que há de espantar ainda mais a todos, o cliente e vocês que me ouvem com tanto respeito. Agradeço.
Li em Borges que realidade e ficção são a mesma coisa; digo eu, duas faces da mesma moeda chamada realidade psíquica. (Aprendi isso no Louco por cachorros, mas não escrevi nem falei para o grupo, apenas pensei.) Então façam de conta que sou mesmo uma cabeleireira chamada Suzete. Mas como, ela também escreve? ...uma cabeleireira que lê e escreve?
Nem o Papa Francisco haverá de realizar milagre igual! (Gargalhada geral da plateia.) Mas uma cabeleireira não é nenhum cão sarnento, desses coitados que a gente vê pelas ruas largados famintos imundos carrapatentos fedidos, todos filhos de Deus, todos filhos de Deus.
Cabeleireira é gente. Algumas sabem ler e escrever, embora nunca tenham frequentado faculdade da USP ou passeado em iate de luxo na baía de Angra.
E sabem sobre o quê esta cabeleireira escreve? Sobre tudo, desde o desaparecimento dos dinossauros até o Presidente da República, de preferência à sombra da uma frondosa mangueira em F., a pequena cidade onde resido.
(Pronto, estavam incluídas todas as palavras exigidas por Tobias para a tarefa do dia.)
Voltemos ao cliente, ainda sentado em minha cadeira. Termino o corte, pergunto se está bom, se gostou, ninguém nunca reclamou, sou boa no que faço, porém gostaria de aprimorar minha escrita, por isso estou aqui, para aprender com vocês.”
Soam tímidos aplausos. Há um clima de desconforto no grupo, de confusão, Quem é essa moça, É mesmo cabeleireira? Ou o texto é apenas ficção? ...é o que todos se perguntam, perplexos, exceto Tobias, que conhece a verdadeira identidade de Suzete. Ana Paula, sempre ela, desconcertada, a disfarçar o desconcertamento porque não estava se sentindo dona da situação, disparou, Posso saber seu nome verdadeiro? Suzete, com zê. Ana Paula continua, Então por que essa história de realidade e ficção,
Borges escreveu mesmo isso ou também é invenção sua? ...agressiva como sempre.
Ana Paula, escrevi esse texto pensando em você, que em encontro anterior pediu mais originalidade. Eu tentei, gosto muito de escrever, Borges afirmou mesmo e assimilei bem isso de realidade e ficção serem a mesma coisa, às vezes ajuda a quem escreve confundir o leitor, artifício muito utilizado pelos escritores de verdade.
Agora os aplausos soam entusiasmados! Josíres grita Bravooo! Bravooo! Bravooo! Enfim, o grupo compreende o sentido do texto apresentado. Suzete fala de uma realidade que parece ficção, em um país de analfabetos funcionais. Como? Uma cabeleireira?
Tobias está entusiasmado, Suzete está pronta! pensa ele, que personalidade! que presença de espírito! ela armou uma arapuca! desarmou os mais beligerantes! mostrou que é inteligente! sabe se colocar no grupo! (Apenas pensa, nada diz.)
Desejo fazer pequeno comentário sobre a citação de Suzete a respeito de Jorge Luis Borges, o gênio portenho: ela é absolutamente verdadeira e, de fato, é arma poderosa nas mãos de um bom escritor. (Agora ele se lembra do que disse no primeiro encontro, da possibilidade de aparecer alguém no grupo melhor que o professor, com mais criatividade, mas prefere silenciar. O elogio pouco ou nada acrescenta, mas pode atrapalhar...)
Prossegue Tobias, Quanto à FORMA, também há criatividade no texto apresentado, sob a ótica da literatura contemporânea, que oferece ao escritor ampla liberdade. Mais algum comentário? Silêncio.
(Tobias considera que a oficina cresce a cada encontro. Está satisfeito.)
Bem, senhores, o tema para amanhã é Quem não sabe escrever pode aprender com quem também não sabe escrever, mas tenta.
Boa tarde a todos.
(É preciso acrescentar que embora Tobias tenha finalizado a reunião, todos juntaram-se em torno de Suzete, Gostei muito, Parabéns, abraços, beijos, tapinhas nas costas, curiosos por conhecer melhor aquela pessoa, estranha pessoa. Combinaram de almoçar em restaurante popular perto dali, indicação de Alberto, conhecedor da cidade. O almoço foi mais interessante que o próprio encontro da oficina.)
Grande Suzete! Que bela surpresa! E que show! O Tobias que se cuide, vai que a Suzete resolva montar uma oficina de escrita própria...
ResponderExcluirNem tanto, nem tanto... Mas que ela criou uma confusão, isso criou.
ExcluirSuzete apareceu ( eu já a aguardava) e que estréia !
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