terça-feira, 14 de abril de 2020

Qual livro?

Há dias meu irmão Paulo vem me atentando com pergunta impertinente porque de resposta impossível, Se você tivesse que indicar um livro, apenas um para quem permanecerá três meses em isolamento social, qual livro você indicaria? Embora parta de meu adorável irmão, a pergunta é irritante. Escolher um entre milhares é exercício fadado ao fracasso, pois muitos ficarão de fora, o que não é justo. 
            Mas o irmão insiste; não apenas ele, a provocação está nos jornais, na Internet, gente procurando o que dizer e o que fazer, é isso, sem nada melhor para fazer ou dizer, lá vem a pergunta, Que livro você indicaria para quem está numa ilha deserta?
            Reluto em responder para não cometer injustiça. 
            Até que encontro e releio o seguinte trecho:

“E ele, o Reinaldo, era tão galhardo garboso, tão governador, assim no sistema pelintra, que preenchia em mim uma vaidade, de ter me escolhido para seu amigo todo leal. Talvez também seja. Anta entra n’água, se rupêia. Mas, não. Era não. Era, era que eu gostava dele. Gostava dele quando eu fechava os olhos. Um bem-querer que vinha do ar de meu nariz e do sonho de minhas noites. O senhor entenderá, agora ainda não entende.”

            Pronto, aí está minha resposta: Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Este o livro!


            Já morador em Brasília, curtindo férias no Rio de Janeiro no final dos anos 70, ganhei o livro de meu pai, na 11ª edição da José Olímpio Editora, de 1976. Repito: em 1976 imprimia-se a décima primeira edição!
            Abri o livro, iniciei a leitura que prometia grandiosa, e veio o primeiro susto: “– Nonada.” O que é isso? Que palavra é esta? Prossegui. Cheguei ao final da primeira página sem entender nada. Guardei-o, pois era presente de meu pai. 
Anos depois voltei a ele, e desde então nunca mais me saiu de perto. Junto da velha edição, coleciono outras, comemorativas, incluindo o volume de número 51 da edição de colecionador, quando foram editados apenas 63 exemplares em comemoração aos 63 anos do lançamento da primeira edição, em 1956. A sobrecapa deste volume foi bordada pelas artesãs de Cordisburgo, Morro da Garça e Andrequicé (MG), e Linha Nove e Teia de Aranha (SP), inspirada no avesso do Manto da Apresentação, de Arthur Bispo do Rosário, com o nome dos personagens do romance. (Companhia da Letras, 2019.) Está no blog: 


            E assim termina esta crônica, a atender solicitação gentil de meu irmão, e homenagear nosso grande Guimarães Rosa. 

2 comentários:

  1. Eis aí a prova de não se trata de não se trata de “exercício fadado ao fracasso “. Resultou belíssima crônica. Imagino que a irritação decorra do espírito de competição. Não é preciso indicar o melhor livro de todos os tempos. Apenas um bom livro, dos muitos que temos como imprescindíveis.

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