sábado, 28 de março de 2020

Terapia desnecessária


Hélio Schwartsman, que não é médico (mas a esposa dele é!), trata hoje de tema fundamental na Medicina, porém relegado a segundo plano por pacientes, familiares e pelos próprios médicos, diante da dificuldade de encarar a morte, e até de falar sobre a morte (Mais que um paliativo, Folha de S. Paulo, 28 mar 2020). Vejamos o que diz Schwartsman:

“Mesmo antes da epidemia, uma falha da medicina brasileira era a pouca atenção dada aos cuidados paliativos. Todo o mundo sabe que vai morrer um dia, mas, por uma série de fatores, esse é um assunto que preferimos evitar, inclusive nos hospitais. O resultado é o prolongamento de esforços terapêuticos para além do razoável, muitas vezes aumentando o sofrimento do paciente e incorrendo em gastos difíceis de justificar.”

O articulista salienta a falta de leitos de UTI em todo o Brasil, o que se torna ainda mais grave nesses tempos de pandemia. Os 47 mil leitos de UTI do país têm taxas de ocupação de 95% no SUS e 80% na rede particular, antes da COVID-19. Assim, “pacientes paliados que já não tenham como se beneficiar de internação devem, até para reduzir o risco de contrair nova moléstia, ser transferidos para casa ou unidades de retaguarda”, afirma Schwartsman.
            Esta é uma realidade antiga em nosso sistema de saúde. Para início de conversa, fala-se muito pouco da morte e do processo de morrer em nossas Faculdades de Medicina. Diante de um paciente terminal, fica mais fácil colocá-lo numa UTI do que conversar com a família, explicar adequadamente a situação, e encaminhar o paciente para casa, com o devido suporte paliativo. Falta habilidade aos médicos para tratar do tema. Falta disposição e coragem aos familiares para encarar a perda de um ente querido.
Ao final de sua crônica, Schwartsman faz uma pergunta importantíssima, sobre outro assunto tabu entre médicos e pacientes: “Como estão os estoques e a distribuição de morfina?” Médicos ainda têm muita dificuldade em administrar morfina mesmo a pacientes terminais, sob a absurda alegação de que “eles vão se viciar”. (Ouvi com frequência esta frase ao longo de minha vida de cirurgião.) Trata-se da negação da morte, sem dúvida, e com ela, o sofrimento desnecessário do paciente.
Muito importante que um pensador do nível de um Hélio Schwartsman traga o tema à baila em artigo de jornal.




Um comentário:

  1. Para os médicos, parece tão difícil aceitar a morte quanto para os leigos. Quanto à morfina, tenho dúvidas: o temor de hoje resulta talvez do abuso de ontem.

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