Durante os anos de trabalho como professor universitário, e não foram poucos, certo tema me ocupou permanentemente, seguro que estava de sua importância para o bom desenvolvimento da relação ensino/aprendizagem. Trata-se da formação do professor, fator relegado a segundo plano naquela época, segundo minha experiência pessoal. Alguma coisa teria mudado desde então?
Com satisfação, vejo hoje na Folha de S. Paulo (24.nov.2019) artigo intitulado Novas diretrizes para a formação de professores – Qualidade do docente é o fator principal na educação, de autoria de Mozart Neves Ramos, membro e relator deste tema no CNE (Conselho Nacional de Educação), e diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna.
O CNE aprovou recentemente as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação Inicial de professores para a Educação Básica — da educação infantil ao ensino médio — e instituiu a Base Nacional Comum para essa formação. A qualidade do professor, segundo pesquisas e estudos científicos, é o fator mais determinante para a melhora da qualidade da educação básica, afirma Mozart.
“O documento intitulado “Proposta para Base Nacional Comum da Formação de Professores da Educação Básica” definiu as competências profissionais docentes tendo por base três dimensões: conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional.” Buscam-se “estratégias para melhorar a relação entre a teoria e a prática da formação docente”.
Analisemos as três competências profissionais apontadas pelo documento, segundo minha experiência profissional, repito, desde a formação na UERJ, no saudoso Hospital Pedro Ernesto, como médico residente, até tornar-me professor de Cirurgia na Universidade de Brasília (UnB).
O (1) conhecimento profissional dos docentes sempre foi de bom ou ótimo nível em ambas as instituições, em especial na UnB. No início de minha carreira não havia pós-graduação em Cirurgia para o curso superior, com exceção da Residência Médica, considerada pós-graduação stricto sensu. Atribuo esta qualidade à boa formação profissional oferecida pelas Faculdades de Medicina à época, além do interesse pessoal daqueles que desejavam engajar-se na carreira universitária – gente que tinha amor pelo estudo e pelo conhecimento.
A (2) prática profissional adquirida durante a Residência só podia ser aprimorada com a experiência vivida no cotidiano. Se tal experiência pudesse se desenvolver em um Hospital Universitário de bom nível, em alguns anos (há quem afirme que são necessários 15 anos para a formação de um bom cirurgião) teríamos um profissional satisfatório.
O (3) engajamento profissional, este sim, sempre foi um problema. Os baixos salários de professor sempre foram um desestímulo para a continuidade da carreira universitária, o que não constitui novidade. A clínica privada era, e ainda é competidora imbatível.
Porém, este não é o único fator a afetar o engajamento na carreira universitária. A pesquisa é parte inerente da vida universitária, e nem todos estão dispostos a abraçá-la. Junto com ela vem a necessidade de publicar aquilo que se pesquisa, e a disposição para escrever sempre foi problema. Sem publicações não se aprimora o chamado currículo profissional, o que impede a ascensão acadêmica.
No entanto, há um outro elemento que reputo ainda mais relevante: o gosto pelo ensino. Sem o prazer de ensinar, quer seja em sala de aula ou junto ao paciente – situação frequente em se tratando da Medicina – fica muito difícil perseverar na vida acadêmica. O professor pode ser dotado de ótimo conhecimento profissional, exercer prática médica adequada, mas não ter qualquer compromisso com o ensino, o que não é raro de acontecer. No início de minha careira não havia qualquer programa pedagógico para que o professor se inteirasse do significado pleno da palavra ensinar. Os cursos de pós-graduação lato sensu surgiram também para amenizar esta lacuna na formação do professor, mas os resultados nem sempre são satisfatórios.
Ensinar não é tarefa fácil, se é que é possível ser realmente exercida. Já se afirmou que ninguém ensina nada a alguém, a pessoa aprende. Ao mesmo tempo, a relação aluno-professor pode vir a ser bastante desgastante, a ponto de desestimular o prosseguimento na carreira docente. Com absoluta certeza, tal relação durante a residência médica em cirurgia, em que o jovem profissional precisa aprender a operar sem mesmo saber como empunhar um bisturi, é terrivelmente complexa. O ensino é realizado numa relação íntima de um para um. Ao cabo de dois ou três anos o médico residente aprende o suficiente para iniciar a carreira de cirurgião e se desliga do serviço. Os novatos continuam a chegar a cada ano, mas o professor é o mesmo, um ano mais velho, sempre. Se a operação é bem sucedida, o residente é aplaudido, se enche de orgulho, ganha a confiança tão necessária para prosseguir na profissão. Se surgem complicações, se o paciente morre, a responsabilidade é do professor. E os novatos não param de chegar...
Num belo dia de fim de inverno, o professor, cansado, precisa se aposentar.
Este singelo texto não pretende esgotar o tema, enumerar todos os fatores que interferem nos atos de ensinar e aprender, pouco falamos do aprendiz e de suas vicissitudes, enfim, desejo apenas ressaltar o que diz Mozart Neves Ramos, que a “Qualidade do docente é o fator principal na educação”.
ResponderExcluirÓtimo texto, gosto deste tema inesgotável.
Este é um tema fundamental. Encontra-se na base da medicina de um país. Enfim, está sendo alvo de atenção, ao que parece. O louco podia produzir um belo volume sobre o assunto , com o título: "Memórias de um professor de cirurgia".
ResponderExcluirO Louco sabe do que fala. Os professores que não gostam de dar aula entram na lista dos profissionais que esquecem a sua essência. Outros exemplos são os médicos que não toleram pacientes, os policiais que fogem das ruas e os alunos que detestam aprender. Será que o Louco sabe para onde vamos?
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