quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Quem está aí?





Em seu magnífico livro Em busca de Espinosa – prazer e dor na ciência dos sentimentos, (Companhia das Letras, 2004), o cientista e filósofo António Damásio propõe de forma bastante provocadora que pensemos sobre a pergunta que dá início ao Hamlet: “Quem está aí?”
            E Damásio responde, inspirado no Deus de Espinosa:

“Se fizermos à perspectiva espinosiana aquela pergunta inquietante com que começa o Hamlet, “Quem está aí?” –, querendo dizer quem está aí para nos ajudar a persistir, como a nossa tendência de autopreservação nos pede que façamos –, a resposta é inequívoca. Ninguém. Estar sozinho é a realidade crua, de Cristo na cruz e de Espinosa nas almofadas amassadas do seu leito de morte. Mas Espinosa arranja-nos uma maneira de iludir essa realidade, uma ilusão nobre que nos permite continuar.”

            E Damásio acrescenta em seguida algo fundamental:

“...a certeza tranquila com que [Espinosa] encara um conflito que a maior parte da humanidade ainda não resolveu: o conflito entre a ideia de que o sofrimento e a morte são fenômenos biológicos naturais, que devemos aceitar com equanimidade – poucos seres humanos bem-educados rejeitarão a sabedoria de tal ideia – e a inclinação, não menos natural da mente humana de se sentir insatisfeita com essa sabedoria. Há uma ferida que persiste, e bem que eu gostaria que assim não fosse, porque prefiro as histórias que acabam bem.”

            Em busca de Espinosa começa por tratar de: (1) Entram em cena os sentimentos; depois vem (2) Os apetites e as emoções; volta aos (3) Sentimentos; então prossegue, (4) Depois dos sentimentos; até que chega a (5) Corpo, cérebro e mente; de repente, uma maravilhosa surpresa: (6) Uma visita a Espinosa; e termina com (7) Quem está aí?
            A simples disposição dos capítulos do livro sugere fortemente a associação entre Ciência e Filosofia.
            Uma obra fundamental. Voltaremos a ela nesse blog.

Um comentário:

  1. Elegantíssimo. Vai por certo pelo caminho do ateismo clássico, que não se interessa pelos fenômenos ditos "paranormais". De antemão (o que parece muito anticientífico) considera que tais fenômenos sejam pura fantasia e ilusão. No entanto, para ficar na citação do mesmo autor, "Há mais coisas no céu e na terra, Horácio,..."

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