Em crônica dominical muito doida para a Folha de S. Paulo (14 jul 2019), Fernanda Torres escreveu: “Envelhecer é estranhar o mundo, é se irritar e lamentar. Deve ser um artífice da natureza , um jeito de você não desejar estar mais vivo, não aqui, não agora, nesta festa estranha com gente esquisita.”
Doravante – só um velho usaria uma palavra dessas –, esta será minha definição definitiva do que significa envelhecer. Envelhecer é estranhar o mundo. O vocábulo estranho é no mínimo estranho, porque não precisa nada, deixa tudo no ar, informa apenas que algo está fora do lugar mas não diz onde.
Aquilo que é estranho incomoda. Incomoda porque é diferente, fora do comum, anormal mesmo. Tudo que é misterioso, enigmático, desconhecido, novo enfim, incomoda muito.
Quando não sabemos definir algo novo, e principalmente que causa algum mal-estar, dizemos que é estranho. Quando dizemos isso do mundo é porque estamos velhos, disse-o bem Fernanda Torres. Esse mundo já não é o nosso, aquele onde nascemos, crescemos, aprendemos a reconhecer como nosso habitat.
Tal estranheza nos causa irritação. É claro! Porque então somos nós que nos tornamos estranhos a esse mundo. Já não reconhecemos o mundo como nosso, nem o mundo nos reconhece como pertencentes a ele. Somos verdadeiros ETs. A que mundo pertencemos então? Uma grande dose de irritação está entranhada nessa pergunta, dá para perceber? A que mundo pertencemos, porra?
Resta-nos apenas lamentar, porque não há nada que se possa fazer sobre isso.
O corolário dessa afirmação peremptória de Fernanda Torres, a de que envelhecer é estranhar o mundo, é ainda mais interessante: é um jeito de não desejarmos mais estar vivos! E isso é natural, ou seja, nos é oferecido pela própria natureza, verdadeira dádiva, diante do estranhamento causado pela velhice.
A tal gente esquisita que agora nos cerca nos irrita e lamentamos o tempo todo por isso. Coisa de velho.
Como é difícil aceitar a estranheza sem se irritar. Um exercício de despojamento, de flexibilidade, que ao velho parece quase impossível. Viver nunca foi fácil.
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