quinta-feira, 13 de junho de 2019

Protesto

Moisés Lobo Furtado

Brasília, 22 de maio de 2018.

Exmo. Sr. Ministro da Educação e Cultura da República Federativa do Brasil,
Vimos, por meio desta, expressar a nossa total indignação contra o contínuo e velado ataque aos cidadãos de bem deste país. Estamos cansados de ser diariamente humilhados em reuniões familiares, igrejas, bares e, mais recentemente, nas redes sociais. Isso precisa acabar.
Sempre apoiamos a intensiva campanha que este governo tem feito nos últimos anos contra o “bullying” nas escolas. Reivindicamos agora um pouco de atenção para a nossa causa. Temos sido surpreendidos e desmoralizados a todo o momento com novas regras e modas nas formas de se conversar e de se escrever.
 Estudos recentes comprovam que a constante e rápida mudança no uso coloquial e ortográfico das palavras tem se tornado a maior causa de ansiedade e depressão em adultos. Pesquisadores chineses afirmam que esse pode ser o principal fator responsável pelo aumento do número de suicídios a partir da quinta década de vida em todo planeta.
Não nos referimos aqui aos inevitáveis dialetos profissionais dos médicos, advogados e mecânicos. Nossa queixa está no cotidiano. Um simples pedido de uma “média” na padaria da esquina se tornou uma atividade embaraçosa. Ninguém nos compreende. É “pão na chapa com pingado”ou nada feito.
Nossos pais, já se queixavam do desaparecimento dos saudosos  ensinos primário, ginasial e científico. Contudo, em muito menos tempo foram extintos os nossos “primeiro, segundo e terceiro graus”. Sem qualquer período de transição, nos impuseram os termos fundamental, médio e superior. Como se comunicar nas reuniões de pais e mestres, quando mal sabemos em que nível de escolaridade estão nossos próprios filhos?
Mesmo no esporte preferido mudaram todas as posições. Entraram volantes, alas e líberos. Graças a Deus ainda não mexeram nos zagueiros, mas como jogar sem pontas? Assistir futebol nos bares tornou-se um constrangimento. Quando gritamos que foi “corner”, somos praticamente fuzilados por olhares de reprovação de todos os jovens presentes.  “Escanteio, tio. Foi escanteio”. Melhor ficar em casa.
No JN, antigo Jornal Nacional, “risco de vida” agora é “risco de morte”, favelas são comunidades carentes, negros são afro-descendentes e a simples palavra homossexual não define mais coisa nenhuma. Nada contra o politicamente correto, porém o exagero é evidente. Esta cada vez mais difícil esconder que nascemos nos anos 1960. 
Isso sem falar nas esquizofrênicas mudanças de ortografia. Temos verdadeiras crises de pânico quando precisamos do hífen. O mandachuvadeve usar guarda-chuva, mas tem que tomar cuidado com o para-choque. Acentuar hiatos tornou-se um risco de vida e morte. A saúvacontinua a mesma, mas quem nasceu em Bocaiuvaestá achando nossa língua uma feiura. Todas as plateiassorriem de nossas ideias
Perdemos completamente o trema e a tranquilidade. Quase todos acentos diferenciais foram abolidos. Isso mesmo: quase todos. Ora, ou se acaba com tudo ou não. O “pára com isso” perdeu o acento e a força. Como pode se escrever “como pôde” e ser compreendido? Vossa excelência precisa pôrordem nisso urgentemente.
Somos estrangeiros em nosso próprio país. Caso nada seja feito, seremos a primeira geração de seres humanos que passará a segunda metade da vida tentando esquecer o que conseguiu aprender na primeira. Morreremos surdos, mudos e analfabetos.
Certos de poder contar com vosso apoio, desde já, agradecemos pela atenção dispensada.
 Atenciosamente,

        Associação dos Portadores de Mais de Cinquenta Anos – APMCA.


Observação: Moisés é médico oftalmologista, estudioso das coisas humanas, aprecia a literatura e gosta de escrever. 
          Tem frequentado oficinas de escrita em Brasília. Este Louco tem a honra de apresentá-lo, na expectativa que esteja sempre presente neste blog. 
          Seja bem-vindo, querido amigo Moisés!

Um comentário:

  1. Muito bem, Moisés! Mais um pouco vão inventar um tradutor instantâneo inter gerações...

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