segunda-feira, 27 de maio de 2019

Suzete vai a outro mundo e volta


Meu querido André


li ontem em seu blog, na postagem sobre Antônio Meneses e Luiz Amorim, dois artistas, uma frase que continua martelando martelando martelando na minha cabeça como um fantasma assustador provocando o surgimento de tantas outras ideias aos borbotões, tantas que preciso escrever a você para tentar colocar em ordem todos esses pensamentos que estão a assombrar a vida de uma pobre cabeleireira.
            (Antes de mais nada devo confessar que precisei ir ao Dicionário Informal, que gosto muito, para saber o significado da palavra luthier. Aprendi. Aprendi também repetir as palavras sem vírgula, a mesma palavra, para reforçar o que desejo exprimir. Acho lindo.)
            Vamos à tal frase: “Estamos a falar de outro mundo.”
            André, vivo enfurnada nesta cidade pequena, em meio a este povo pacóvio, sufocada num salão de beleza, cortando cabelo de homem, ouvindo abobrinha o dia inteiro, porque em salão masculino ou feminino só se fala abobrinha mesmo, este é meu mundo, e quando leio que há quem viva em outro mundo, isso me deixa tonta, perturbada, desacorçoada, esmorecida de tudo. Perco a esperança. Percebo que nunca hei de sair desta arapuca em que me meti.
            Fiquei pensando em que conversavam Antônio Meneses e Luiz Amorim, na delicadeza das ideias deles, falavam de instrumentos musicais, da afinação de um violoncelo, da construção de um novo violoncelo para Antônio, embora ele já tenha um ótimo instrumento! Falavam desde a origem da madeira até o acabamento final! Coisa mais linda, sem contar que depois da afinação Antônio podia tocar Bach, Villa-Lobos, uma bachiana, já pensou? 
            Não falavam da reforma da previdência, da ameaça de novo desmoronamento de barragem em Minas, dos tais laranjas, das declarações estapafúrdias do presidente & filhos, dos políticos presos & soltos, dos ministros da Educação – vontade de chorar –,
 e o pior de tudo, do desemprego assustador em nosso país. Como é possível viver desempregado, André?  
Pois não é que dei uma volta completa em torno de meus miolos, verdadeira cambalhota, e cheguei ao ponto de partida, ao meu salão de beleza, onde corto cabelo de homem e ganho meu pão honestamente. Como poderia viver sem isso, sem poder comprar um livro, sem ir ao cinema de vez em quando? Como, André?
É bom saber que existe um outro mundo, onde as conversas são delicadas, os assuntos amenos (agora escrevi bonito!), as pessoas educadas, pois como você gosta de dizer, “tudo é uma questão de educação”, não é mesmo? Sabe onde encontro isso, André, nos livros que leio; enquanto leio, voo para outro mundo. (As pessoas que não leem só podem mesmo falar borracha, que é a mesma coisa que abobrinha.)
Estes são os borbotões que me vieram à mente a partir da sua frase, André. Me fez pensar, a sua frase. Escrever sobre meus pensamentos me ajudou a dar a volta completa. Obrigada.
Beijo.
Da sempre sua,

                                    Suzete.
            

Um comentário:

  1. A Suzete, cada vez mais filósofa! Adepta abertamente da escrita terapêutica do louco.

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