sábado, 4 de maio de 2019

História que há de acabar ( Foto n.10)




Aos 20 anos – agora estou certo da idade por causa da data no verso da fotografia, 29/11/42 – Ofir era um moço bonito. 
            Posso apenas supor que a roupa de gala se deve a alguma formatura, a justificar também a fotografia de estúdio.
            Porém, nada disso é tão importante quanto a frase escrita no verso, com letra de professora, com caneta-tinteiro.




            “Isso não passa de uma história que há de acabar como todas...”

            (Este é o resultado de se bisbilhotar fotos, papéis, bilhetes antigos, e deparar-se com uma frase enigmática como esta. Ela fica dando voltas em volta de nossa cabeça, sem que possamos chegar a conclusão definitiva.)
            A letra parece ser de mulher, não há muita dúvida sobre isso. A primeira ideia que me surge é a de que tem início um simples flerte, namorico, como se dizia à época. O rapaz é bonito, acaba de se formar; ela também é jovem e bonita, formada na Escola Normal para professoras; trocam olhares, insinuações, assim começa um relacionamento, mas ela não está segura a respeito do andamento do namoro, ou da “história”, como afirma. 
            A palavra “história” aqui empregada pode trazer significados bem particulares: lorota, infidelidade, falsidade, lampana, balela, boato, arara, carapeta, peta, petarola, moca, andrômina, bula, pala, patranha, léria, aldravice, caraminhola, embuste, razão de cabo de esquadra. 
A palavra “isso” no início da frase também diminui a importância do acontecimento; essa coisa, ela poderia ter escrito; como quem não leva fé naquilo que está acontecendo; o fato não é relevante o suficiente para ser levado a sério.
            É possível que ela tenha ganho a foto (de estúdio!) do moço elegantíssimo, como recordação do início de namoro. Ou o namoro não estava tão no começo assim. Mas ela não está convencida do futuro do relacionamento, pois pensa que “a história há de acabar como todas”. 
            Como todas? Terá ela vivido tantas experiências, sendo tão jovem, a ponto de exprimir tamanha melancolia numa única frase? Ou ela se refere às inexoráveis frustrações da vida, que talvez conheça desde o nascimento, se teve origem pobre? Serão, desde já, traços de caráter, o pessimismo, a melancolia, a descrença na vida? 
            Pode ser que o atual relacionamento seja conflituoso. Ciúme? Dela para com ele? Dele para com ela? De ambos um para com o outro? Será ela tão bonita quanto o rapaz? É uma hipótese: se o relacionamento não vai bem, a “história” não irá longe...
            Interessante notar que a frase termina mesmo com reticências. Este sinal sugere suspense, insinua algo e simultaneamente pode estar omitindo alguma coisa.  Haverá, portanto, alguma esperança? Há melancolia, um certo negativismo, mas penso que há esperança. Na juventude, sempre há esperança.
            Essas são apenas mariposas dando voltas em volta de mim, como cantava Adoniram Barbosa. Sugiro portanto ao meu eventual leitor que, ao se deparar com fotografias antigas perdidas no fundo de uma gaveta – sinal de perigo! –, deixe-as onde estão.

5 comentários:

  1. Muito boa a análise, profunda e, creio, assertiva. Discordo só do final, "fotografias antigas perdidas no fundo de uma gaveta – sinal de perigo! –, deixe-as onde estão.", não, não deixe-as onde estão, relembrar também é viver. Parabéns!

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    1. Obrigado Miledi, por seu comentário. Mas não acredite em tudo que o Louco fala. Ele adora bisbilhotar nas gavetas da vida.

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  2. Poderia ser também um início promissor de relacionamento que acabaria como todas as histórias :final feliz : casaram e viveram felizes para sempre. Interessante como a fotografia foi para as mãos de quem escreveu que a devolveu posteriormente acrescida da frase.

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  3. Eis aí uma aula de especulações! Na verdade, nada se sabe, de concreto, exceto que se trata de juventude. Mas como é prazeroso especular!...

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