O que é uma boa consulta médica? A resposta mais simples, direta, verdadeira, que posso oferecer é aquela da qual o paciente sai satisfeito, mesmo que nada tenha se alterado em relação a sua doença. Ele apenas vai para casa satisfeito.
E aí André, como tem passado, Estou bem, Alguma novidade, Nada de novo, Continua praticando atividade física, Sim, três vezes por semana de hidroterapia e agora mais três dias de Pilates, Muito bom!
Após amigável interrogatório inicial o médico faz o exame físico à moda antiga, examina o pescoço à cata de linfonodos, ausculta os pulmões – só faltou pedir que eu falasse 33 –, o coração, palpa o abdome, ajuda-me a levantar. É bom sentir seu toque físico, isso nos aproxima.
Confere o resultado dos exames com a tela do computador voltada para mim, Estão todos bons (exceto um deles que teima em subir, mas nada a fazer por enquanto).
Então passamos a conversar.
Queixo-me da memória, esqueço nomes principalmente, coisa desagradável numa conversa. É a velhice. Não há remédio para isso, ele me diz com franqueza. Mas ambos concordamos sobre a importância do exercício intelectual, e ele me fala da importância da leitura.
Aproveito a deixa para vender meu peixe: João, não há dúvida sobre isso, mas sabe de uma coisa, cada vez mais valorizo a escrita. Eu diria que a escrita é um exercício mais proativo que a leitura, nos obriga a buscar a ideia, procurar palavras para exprimi-la, cuidar do estilo, da forma, manter a fluência. É o que chamo de escrita terapêutica, mas confesso que não vejo ninguém falando do assunto. Será que estou enganado?
Você está certo, o problema é que a escrita exige certo tipo de habilidade nem sempre presente nas pessoas.
(As pessoas têm medo de escrever, costumam dizer que não sabem escrever, mas todos sabemos escrever, bem ou mal, tanto faz, penso eu com meus botões, mas permaneço em silêncio, ouvindo o que meu médico tem a me dizer.)
A conversa prossegue, Para obter o resultado que você está propondo, André, peço que duas pessoas próximas, marido e mulher, pai e filho, avó e neta, leiam o mesmo livro e depois conversem sobre ele. A conversa minuciosa será o equivalente da escrita que você propõe.
Ótima ideia, João! Ótima mesmo!
Assistir a um filme juntos e depois trocar impressões talvez produza resultado semelhante. O filme é fugaz, diz João, ao passo que o texto permanece à mão, pode ser revisitado com facilidade.
Vamos por aí afora, completamente relaxados, na certeza de que somos amigos. Termina a consulta, nos despedimos com caloroso abraço.
Eis o exemplo de uma boa consulta.
Muito, muito além de técnica e ciência. Trata-se de humanidade.
ResponderExcluirConheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.
ResponderExcluirCarl Jung