terça-feira, 4 de setembro de 2018

Valor de um museu


Desde o Incêndio não consigo escrever uma linha sequer sobre a tragédia.
            Utilizo-me então de um artifício, eficiente mecanismo de defesa, volto no tempo, procuro na memória a emocionante experiência que vivi ao entrar em um museu, e que guardo comigo como relíquia – peça de museu.
            Aos 12 ou 13 anos, no ginásio, tomei conhecimento da existência da misteriosa Pedra da Roseta, aquela que permitiu o deciframento dos hieróglifos, a maravilhosa escrita dos egípcios. 
A pedra registra um decreto promulgado em nome do rei Ptolomeu V, inscrito em três parágrafos com o mesmo significado: o superior está na forma hieroglífica do egípcio antigo, o trecho do meio em demótico (variante do egípcio tardio), e o inferior em grego antigo. A comparação entre eles permitiu a compreensão dos hieróglifos por Jean-François Champollion em 1822.
Não é preciso dizer que o menino ficou fascinado pela pedra. Muitos anos depois, já adulto, entrei pela primeira vez no Museu Britânico, em Londres. De repente, olha a pedra alí, bem ao meu lado, ao alcance de minha mão. Disfarcei, dei-lhe um leve toque, sem que qualquer fiscal percebesse. (Hoje ela se encontra envolta numa redoma de acrílico, protegida de ingênuos e loucos.)


A emoção daquele momento é a relíquia que guardo comigo, e não há fogo que possa destruí-la. Haverá de perecer com minha morte, mas fica aqui registrada.

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