Alguém já disse que, se a
crônica não teve origem no Brasil, foi aqui que o gênero floresceu, ganhou
força, até tornar-se o queridinho dos brasileiros. Pela preguiça nacional de
enfrentar textos mais pesados? Talvez. Mas desde que Rubem Braga popularizou a
crônica, não há jornal que não traga diariamente uns tantos cronistas, alguns
mais estilosos, outros mais relaxados, há os mais sérios, há os debochados, um
Veríssimo se sobressai pelo estilo literário, um José Simão pela
pornochanchada, enfim, há lugar para todos os gostos, alegrando nossos fins-de-semana
com leitura amena, bem humorada, descontraída, ajudando a tolerar o nauseabundo
noticiário político.
Acompanho de perto o surgimento de novos cronistas e,
eventualmente, o desaparecimento de alguns, por morte ou ostracismo. A mais
nova grata surpresa chama-se Ruth Manus, que escreve aos domingos em O Estado
de S. Paulo, e rapidamente conquistou sua freguesia. Como fazem outros tantos cronistas,
após um certo período de publicações, eles juntam seus textos em forma de
livro. (Nada mais conveniente, sob ponto de vista comercial, a exigir apenas
uma simples revisão... Aliás, os blogueiros
adotaram a mesma tática com sucesso.)
Pois o livro de Ruth Manus traz o interessante título Um
dia ainda vamos rir de tudo isso (Ed. Sextante, 2018), e vou logo
falando da capa (autoria de Natali Nabekura), muito criativa, o fundo amarelo
com leve esboço de uma escada em espiral, e o próprio título ocupando toda a
capa, em letras pretas grandes de um tipo descontraído que não consegui
identificar mas muito adequado, copiando o formato da escada. Infelizmente, quase a estragá-la, no canto
inferior direito há um elogio à cronista, assinado por alguém de fama. Acho que
Ru – é assim que a autora trata a si mesma no livro – não precisava disso.
Ruth traz quase sempre relatos de episódios familiares,
explorados ao máximo por uma prosa comprida fluida cheia de intimidades, que
prende o leitor pela identificação com a história. Outras vezes trata de
banalidades que alguma vez já passaram pela nossa cabeça. Vejamos um início de
crônica:
“Às vezes – muitas
vezes – me flagro pensando que a vida seria mais fácil se eu tivesse nascido
homem. Não que eu ache que a vida de um homem seja fácil. Mas, se eu fosse
homem, eu sentiria, simplesmente, que devo menos ao mundo.”
Na crônica Viver
longe dos irmãos, Ruth afirma:
“Houve um tempo em
que morar na mesma casa é que era o problema. Começamos com as disputas pelos
brinquedos, depois pelo controle remoto, evoluindo para a trilha sonora no
carro e o tempo de ocupação do banheiro. Tudo era razão para eclodir um embrião
de guerra civil.
Todos nós já
desejamos, do alto de nossa imaturidade convicta, que eles desaparecessem daquela
casa. Que não acabassem com as bolachas recheadas, não comessem o último pedaço
da lasanha nem sumissem com as nossas meias preferidas. Já gritamos
enfurecidos, dizendo que preferíamos dividir quarto com um animal qualquer do
que com eles.
E então os anos
passaram e finalmente saímos de casa.”
Ruth Manus não complica, escreve fácil, escreve gostoso, com gosto de domingo:
eu queria escrever como Ruth Manus.
A crônica é uma espécie de poesia sem versos. Não há leitura mais repousante. Taça de vinho branco, geladinho...
ResponderExcluirUm bom romance é vinho tinto bom?
Excluir