segunda-feira, 12 de março de 2018

Karen


A escritora portuguesa Ana Teresa Pereira - Foto Divulgação


O título do artigo de O Globo é chamativo: Quem é Ana Teresa Pereira, vencedora do prêmio Oceanos pelo romance 'Karen', de autoria de Liv Brandão (29/11/2017).
Afirma Brandão: “Ela concorria ao Prêmio Oceanos com nomes como Silviano Santiago e Verônica Stigger, vencedores do Jabuti deste ano, e com Elvira Vigna, aclamada escritora morta em setembro passado, e surpreendeu a todos. Desconhecida no Brasil, onde ainda não tem nenhuma obra publicada, a portuguesa Ana Teresa Pereira venceu o prêmio máximo, no valor de R$ 100 mil, por seu último romance, “Karen”, tornando-se a primeira mulher a fazê-lo nos 15 anos de história da premiação. Após publicar mais de 20 de livros em seu país natal e de ser traduzida para o inglês, francês, alemão, italiano e eslovaco, entre outros idiomas, Ana Teresa marcará sua estreia nas prateleiras brasileiras com “Karen”, a ser lançado no primeiro semestre de 2018, pela novata editora Todavia.”
Convenhamos que tal apresentação é de dar água na boca e coceira nos olhos e muita vontade de ler a moça nascida no Funchal, capital da Ilha da Madeira, em 1958. Parece que ela é reclusa, sai pouco de sua cidade.
Informa ainda Brandão: “Apreciador da obra de Ana Teresa e curador do Oceanos, o crítico literário António Guerreiro aponta que sua literatura é mais próxima do estilo anglo-saxônico, e que a escritora tem predileção pela linguagem cinematográfica. Sendo assim, sua produção não dialoga com o restante da ficção portuguesa contemporânea.”
A autora concorda com a avaliação de Guerreiro ao apontar as influências em “Karen”. Diz ela: “Em primeiro lugar, Henry James: temos só um ponto de vista, o da narradora, e nunca sabemos mais do que ela; “Rebecca”, de Daphne du Maurier: inspirou o título e a opção de nunca dizer o nome da narradora; e os policiais clássicos: o livro tem a estrutura de um policial, pensei nele muitas vezes como um “policial abstracto” — enumera Ana Teresa, que ainda cita os brasileiros Manoel de Barros e Manuel Bandeira como influências, além do português Fernando Pessoa.”
Diz ainda Ana Teresa: “Karen” é especial para mim. Em todos os meus livros tenho tentado aproximar-me do sentido metafísico da palavra, é esse o meu trabalho. Em “Karen” senti que estava muito próxima.”
Guerreiro conclui: “Na obra de Ana Teresa, nunca reconhecemos o mundo imediatamente, as referências não nos são dadas. Não há representações ideológicas ou políticas imediatas ou óbvias. Ela faz todo um jogo literário com um mundo mais ou menos fantástico. Personagens que não sabemos de onde vêm e para onde vão, as motivações que têm. Trata-se de representá-los como figuras de ficção cinematográfica e da pintura.”

            Os pouquíssimos leitores deste blog me perdoem a longa apresentação  transcrita de O Globo. Só há uma justificativa para tal: desejo afirmar que minha avaliação do livro deve estar completamente equivocada, depois de tantos elogios.
            Mesmo assim, registro minha opinião: não gostei de Karen, o novo romance de Ana Teresa Pereira.
            Voltemos à crítica do tal Guerreiro: “Ela faz todo um jogo literário com um mundo mais ou menos fantástico. Personagens que não sabemos de onde vêm e para onde vão, as motivações que têm.” Pois é, isso mesmo, não sabemos de onde vêm nem para onde vão, não sabemos nada, perdidos numa ficção “mais ou menos fantástica”. (O que é isso, “mais ou menos fantástica”?) A escrita não dialoga com a ficção portuguesa contemporânea: uma pena! Trata-se de um policial abstrato! Meu deus!
            Eis pequeno trecho do livro:

“As folhas da árvore murmuravam. Sempre tentei sentir a música das coisas. A luz dos candeeiros numa rua de noite, as flores a despontarem num parque, o sol a entrar pelo vitral de uma igreja. As minhas recordações de infância não eram muito claras, os meus pais e a nossa casa, o jardim das traseiras onde passava um ribeiro. Recordações doces, os livros que o meu pai trazia de Londres, aonde ia todos os dias trabalhar, os pãezinhos quentes quando chegava da escola a meio da tarde. Uma escola dos arredores, a dez minutos de casa, só quando estava a chover apanhava o autocarro para regressar. Os gatos, lembrava-me dos gatos, as ninhadas e o gatinho que era meu, era sempre o mesmo, um tigre pequenino que crescia e vivia alguns anos, e que voltava, que voltava sempre.”

            Eu devo estar enganado; melhor, eu certamente estou enganado; quem sou eu para criticar uma reclusa do Funchal? O leitor faça seu julgamento.
            Num aspecto não tenho medo de errar: Karen, editado pela Todavia (São Paulo), tem uma das capas mais feias que já vi.






Um comentário:

  1. Quanto à feiúra da capa, parece que não se pode contestar o louco. Quanto ao conteúdo, a conferir: o trecho apresentado não basta. Mas o faro literário do louco raramente se engana.

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