O Jornal do
Brasil, ou simplesmente JB, leitura obrigatória nos meus tempos de Rio de
Janeiro, voltou ontem, despertando recônditas lembranças. Registro-as aqui, para que minhas filhas e neta inteirem-se do que costumo chamar de Romance Familiar.
A família mudou-se
para o Rio ao final de 1963, o pai, a mãe e três filhos caipiras, vindos de
Guaratinguetá, interior de São Paulo. (Em Guará vivi ótima infância e
adolescência, que teria sido perfeita não fosse o carregado ambiente familiar a
gerar tensões permanentes e, por fim, graves consequências. O pai lia o JB, a
mãe preferia O Globo: até nisso discordavam.)
Eu e meu irmão
mais novo desejávamos fazer Medicina, e este foi o pretexto arrolado pela mãe
para a mudança de toda a família, já que seria muito dispendioso manter dois
filhos morando na cidade grande. A filha caçula ainda não apitava, pois ainda faria
o curso secundário. Na verdade, a mãe desejava fortemente mudar-se para a
capital, deixando para trás aquilo que para ela significava o medíocre ramerrão
interiorano.
Nossa primeira
parada foi na Tijuca, à Rua Antônio Basílio, próximo à Praça Saens Peña, num sobradinho
apertado onde mal cabiam os móveis trazidos do interior. Lembro-me bem do minúsculo
quartinho dos fundos, onde estudei por um ano para prestar o vestibular, melhor
dizendo, os vestibulares, pois cada faculdade aplicava suas próprias provas, verdadeira
maratona. Além do terceiro ano científico em escola pública, à noite, a uma
caminhada de quase uma hora de nossa casa à escola próxima do Maracanã, acompanhado
de meu irmão, frequentava também do cursinho São Salvador, no centro da cidade,
na famosa Rua México. Por tantas razões,
ano difícil o de 1964!
A segunda parada
foi no charmoso bairro de Laranjeiras, à igualmente charmosa Rua General
Glicério. As janelas do apartamento abriam-se para os fundos da Igreja de Santa
Cecília, junto a um morro coberto de exuberante vegetação. Foi um avanço social
considerável, empreendido por nossa mãe, sempre inquieta e desejando melhorar
de vida, embora o provedor fosse o esforçado funcionário do Banco do Brasil.
Já na Faculdade de
Medicina, fiz o primeiro ano aguardando a chegada do irmão, que veio em
seguida. Bem mais inteligente do que eu, passou no vestibular sem dificuldade.
(Engraçado, à época, nossa convivência não era tão intensa como hoje. Aliás, nossa
convivência nunca foi tão intensa como hoje!) Continuaram difíceis os anos seguintes,
especialmente pela falta absoluta de dinheiro. Eu e o irmão raramente
dispúnhamos de 1 Cruzeiro para comprar uma caneca de arroz doce no meio da
manhã, na lanchonete do hospital (Pedro Ernesto, de saudosa memória).
No entanto, a mãe
continuou a saga pela ascensão social, e a terceira parada foi nada mais nada
menos na glamorosa Ipanema, à Rua Montenegro, hoje Vinícius de Moraes. (Eu estava
lá no dia da troca das placas e presenciei a briga entre duas viúvas de
Vinícius!)
No início de 1971,
já formado, aos 24 anos, casei e deixei a casa de meus pais. O hábito da
leitura dominical do JB permaneceu. O Suplemento Literário era o ponto alto do
jornal, que semanalmente publicava crônica ou poema de Carlos Drummond de Andrade.
A vida estava apenas começando.
De qualquer modo,
saúdo a volta do JB!
Crönica muito bem posta, reconstituição de tempos marcantes. Não se pode dizer que saudosos, pois muita angústia havia de permeio. Mas anos marcantes: a ditadura começaria em seguida, a se somar à instável dinâmica familiar. Em tempos de Jango, eu lembro as filas para se conseguir 2 litros de leite ou 2 quilos de acucar.
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