segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A volta do JB



O Jornal do Brasil, ou simplesmente JB, leitura obrigatória nos meus tempos de Rio de Janeiro, voltou ontem, despertando recônditas lembranças. Registro-as aqui, para que minhas filhas e neta inteirem-se do que costumo chamar de Romance Familiar.
A família mudou-se para o Rio ao final de 1963, o pai, a mãe e três filhos caipiras, vindos de Guaratinguetá, interior de São Paulo. (Em Guará vivi ótima infância e adolescência, que teria sido perfeita não fosse o carregado ambiente familiar a gerar tensões permanentes e, por fim, graves consequências. O pai lia o JB, a mãe preferia O Globo: até nisso discordavam.)
Eu e meu irmão mais novo desejávamos fazer Medicina, e este foi o pretexto arrolado pela mãe para a mudança de toda a família, já que seria muito dispendioso manter dois filhos morando na cidade grande. A filha caçula ainda não apitava, pois ainda faria o curso secundário. Na verdade, a mãe desejava fortemente mudar-se para a capital, deixando para trás aquilo que para ela significava o medíocre ramerrão interiorano.
Nossa primeira parada foi na Tijuca, à Rua Antônio Basílio, próximo à Praça Saens Peña, num sobradinho apertado onde mal cabiam os móveis trazidos do interior. Lembro-me bem do minúsculo quartinho dos fundos, onde estudei por um ano para prestar o vestibular, melhor dizendo, os vestibulares, pois cada faculdade aplicava suas próprias provas, verdadeira maratona. Além do terceiro ano científico em escola pública, à noite, a uma caminhada de quase uma hora de nossa casa à escola próxima do Maracanã, acompanhado de meu irmão, frequentava também do cursinho São Salvador, no centro da cidade, na famosa Rua México. Por tantas razões, ano difícil o de 1964!
A segunda parada foi no charmoso bairro de Laranjeiras, à igualmente charmosa Rua General Glicério. As janelas do apartamento abriam-se para os fundos da Igreja de Santa Cecília, junto a um morro coberto de exuberante vegetação. Foi um avanço social considerável, empreendido por nossa mãe, sempre inquieta e desejando melhorar de vida, embora o provedor fosse o esforçado funcionário do Banco do Brasil.
Já na Faculdade de Medicina, fiz o primeiro ano aguardando a chegada do irmão, que veio em seguida. Bem mais inteligente do que eu, passou no vestibular sem dificuldade. (Engraçado, à época, nossa convivência não era tão intensa como hoje. Aliás, nossa convivência nunca foi tão intensa como hoje!) Continuaram difíceis os anos seguintes, especialmente pela falta absoluta de dinheiro. Eu e o irmão raramente dispúnhamos de 1 Cruzeiro para comprar uma caneca de arroz doce no meio da manhã, na lanchonete do hospital (Pedro Ernesto, de saudosa memória).
No entanto, a mãe continuou a saga pela ascensão social, e a terceira parada foi nada mais nada menos na glamorosa Ipanema, à Rua Montenegro, hoje Vinícius de Moraes. (Eu estava lá no dia da troca das placas e presenciei a briga entre duas viúvas de Vinícius!)
No início de 1971, já formado, aos 24 anos, casei e deixei a casa de meus pais. O hábito da leitura dominical do JB permaneceu. O Suplemento Literário era o ponto alto do jornal, que semanalmente publicava crônica ou poema de Carlos Drummond de Andrade. A vida estava apenas começando.
De qualquer modo, saúdo a volta do JB!

Um comentário:

  1. Crönica muito bem posta, reconstituição de tempos marcantes. Não se pode dizer que saudosos, pois muita angústia havia de permeio. Mas anos marcantes: a ditadura começaria em seguida, a se somar à instável dinâmica familiar. Em tempos de Jango, eu lembro as filas para se conseguir 2 litros de leite ou 2 quilos de acucar.

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