Amós Oz acaba de lançar precioso
livrinho intitulado Mais de uma luz,
contendo três ensaios, o primeiro sobre o fanatismo, o segundo sobre o
judaísmo, e o terceiro baseado em duas palestras que o autor proferiu em 2015,
em Israel. Desejo deter-me no segundo ensaio, Luzes e não [uma só] luz, onde Oz trata do judaísmo como cultura, e
não apenas como religião ou nacionalidade.
De início, afirma que “Existe
realmente uma nação judaica, mas ela se distingue de muitas outras nações pelo
fato de que o percurso de sua vida não se pontua por seus genes nem por
vitórias no campo de batalha, e sim por livros.” Penso que o autor refere-se a
um percurso bem mais antigo, pois atualmente o estado de Israel caracteriza-se
pelo emprego da força desproporcional contra os palestinos. A prova disso é que
mais adiante ele clareia esta ideia: “Nos bons tempos, a civilização do povo de
Israel era uma civilização de dúvidas e de opiniões diferentes. Durante
milhares de anos, os judeus acumularam camadas sobre camadas de textos
relacionados a textos que os antecediam, estes também relacionados a textos
anteriores.”
“Qual é então o cerne mais íntimo do
judaísmo?”, pergunta Oz, e seu texto flui com o brilhantismo de sempre, a
esbanjar cultura, prendendo o leitor como se ele lesse um bom romance. Um
ensaio extraordinário!
Porém, há uma passagem que me
despertou enorme curiosidade e interesse, logo na segunda página do ensaio:
“Jesus Cristo disse a seus discípulos:
“Perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem”. Eu discordo de Jesus, não
quanto ao “perdoa-lhes”, pois é possível perdoar; eu discordo exatamente do
“eles não sabem o que fazem”. Jesus com frequência atribui a toda a humanidade
uma condição de infantilidade moral, de quem pratica o mal só porque não sabe
que o que está fazendo é mau. Trata-se de um engano, e é enganador: quando
causamos dor a outra pessoa, ou a um animal, sabemos muito bem o que estamos
fazendo. Até mesmo uma criança pequena. A dor é, pelo visto, o denominador
comum mais amplo de todo o gênero humano. Quem nunca a experimentou?”
Em primeiro lugar, foi uma boa
surpresa ver como Oz discorda de Jesus de maneira desabrida, às claras, com
indiscutível honestidade de pensamento, e ele é capaz de dizer isso ao leitor
sem subterfúgios. Isso é liberdade de pensar. Ele discorda veementemente do
“eles não sabem o que fazem”.
Em essência, estamos a tratar aqui
do livre arbítrio, problema filosófico que vem sendo discutido há séculos.
Desde já reconhecendo a total incompetência deste blogueiro para meter sua
colher nesse perigoso caldo, mesmo assim desejo manifestar minha opinião de
ateu, de que Jesus estava certíssimo!
Depois da descoberta do Inconsciente
por Sigmund Freud, a humanidade sofreu duro golpe em sua vaidade e autoestima,
pois o homem não é senhor de si mesmo, para expressar esta ideia de maneira bem
simples e direta. Eles, de fato, não sabem o que fazem.
Quanto à “infantilidade moral” a que
se refere Oz, poucas vezes vi expressão que se aplique tão bem à humanidade, ao
longo dos séculos. Não poderia ser de outra maneira: a humanidade encontra-se
em sua infância emocional, engatinhando no processo de evolução da espécie. Ela
tem dificuldade para discernir entre o bem e o mal. Volto a Freud, que afirmou
corajosamente que o recém-nascido primeiro manifesta ódio, para só depois
aprender o que é amor. Entre Jesus e Barrabás, escolheram Jesus para infligir
dor, sangue e morte.
Se a coisa toda se passou mesmo como
relata o Novo Testamento, se Jesus proferiu de fato “eles não sabem o que
fazem”, podemos supor que Jesus conhecia como ninguém aqueles a quem tratou
como filhos.
Vale a pena ler Amós Oz,
para concordar ou discordar, livremente.
Deu vontade de ler...
ResponderExcluirConcordo com o louco. Num sentido profundo, "não sabem o que fazem". Sabem, sim, que causam dor, e conhecem a dor. Mas não sentem a dor alheia, nem se sensibilizam com ela. E sobretudo não sabem as repercussões amplas e inevitáveis do ato de praticar o mal. Para a vítima, para a comunidade e para si mesmo.
ResponderExcluirVamos ler o livro, que o louco não elogia à toa.