sábado, 2 de dezembro de 2017

A Resistência




Ele foi o vencedor do Prêmio Jabuti 2016, o que não deixa de ser sugestão de boa leitura. Mas é preciso conferir: cada homem uma cabeça, cada leitor uma leitura.
Estou a tratar de A Resistência, de Julián Fuks (Companhia das Letras, 2015, ótima capa).
A “história” é narrada pelo filho menor de uma família argentina composta de pais educados e um filho adotado, além do filho narrador. Não estou certo – nada é certo no livro – se há uma história a ser contada, ou mesmo se era a vontade do narrador contá-la. Há lembranças, sempre vagas, reminiscências, incertezas, dúvidas, possibilidades, rumores entreouvidos, quem sabe?
O que gera clima adequado para o período em que se desenrolam os “fatos”. Que nítidas lembranças afinal poderia ter um menino pequeno, vivendo num país assolado por feroz ditadura, cuidado por pais assombrados?
A escrita é sofisticada e elegante na maior parte das vezes. O estilo torna-se um tanto rebuscado em certas passagens, em meu ponto de vista.
Para a apreciação do leitor:

“É preciso aprender a resistir. Nem rir, nem ficar, aprender a resistir. Penso nesses versos em que meu pai não poderia ter pensado, versos inescritos na época, versos que lhe faltavam. Penso em meu pai na última reunião clandestina que lhe coube presenciar, quieto entre militantes exaltados, abstraído do bulício das vozes. Resistir: quanto em resistir é aceitar impávido a desgraça, transigir com a destruição cotidiana, tolerar a ruína dos próximos? Resistir será aguentar em pé a queda dos outros, e até quando, até que as pernas próprias desabem? Resistir será lutar apesar da óbvia derrota, gritar apesar da rouquidão da voz, agir apesar da rouquidão da vontade? É preciso aprender a resistir, mas resistir nunca será se entregar a uma sorte já lançada, nunca será se curvar a um futuro inevitável. Quanto do aprender a resistir não será aprender a perguntar-se?”

            Perguntar-se, um bom exercício, sempre. Mas toda vez que o autor ficar indeciso entre relatar a realidade e entregar-se à ficção, ele corre o risco de perder-se. (Talvez isso tenha ocorrido com Chico Buarque, em O irmão alemão.)
Um bom livro, afinal. O ainda jovem autor promete.


Um comentário:

  1. Intrigante. Uma boa forma de resistência diante da ditadura será fugir para o reino da abstração?

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