segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Suzete precisa desabafar


Meu querido André,

antes que você responda a minha cartinha, apresso-me em comunicar que Doutor T. já era. O verbo no passado não significa que o sujeito morreu; morreu para mim.
            Resumo: um chato.
            Não havia informado a você, André, o doutor é dermatologista, o tempo todo falando de doenças e doentes, me mostrando fotografias, que tira no celular, de feridas, tumores, úlceras, pus, larvas, tudo quanto é pereba que você possa imaginar, cada coisa mais feia que a outra e ele dizendo que é lindo, eu com vontade de vomitar. Acaba o jantar e lá vem ele com sua coleção de aberrações, eu me esforçando para ser educada. Até que um dia ele chegou em casa com umas casquinhas de ferida debaixo da unha do indicador direito! Aí vomitei mesmo. E nunca mais peguei na mão dele do mesmo jeito.
            Tudo piorou com o sonho que eu tive. Sonhei que crescia um tumor horrível dentro do meu olho direito, cheio de larvas, que doía muito e sangrava e o sangue escorria pelo canto do olho trazendo larvinhas azuis e brilhantes como a luz do césio, e que penetravam por pequeno orifício no meu travesseiro, que já estava repleto de larvinhas azuis, eu com a cabeça pousada naquele saco de larvas e sentia que elas se mexiam dentro do travesseiro, até que acordei com meu próprio grito, suando frio, horrorizada. Percebi então que tinha estado, durante o sonho, com o olho direito afundado no travesseiro, comprimido e doendo. Será esta a origem do sonho, André? Li sobre isso em A interpretação dos sonhos, de Freud, que você me indicou como um dos melhores livros de todos os tempos (e é mesmo!). Mas as histórias de T. sobre feridas e tumores também têm culpa no cartório, ah isso têm.
            Tinha outra coisa, ele gosta do Paulo Coelho. Pode? De repente, lá vinha ele com uma citação do carinha, cheia de moralismos, magias, superstições, crendices, asneiras e mais asneiras, tudo com a respectiva referência bibliográfica. Pode? Aí eu também tinha vontade de vomitar.
            Fui aguentando, André, fui aguentando, até que ele começou a se implicar com meu gosto por cortar cabelo de homem. No começo eram insinuações veladas, um trelelê de quem comia e não gostava, meias palavras, Coisa mais estranha, dizia ele, você gostar de cortar cabelo de marmanjo.
Não sei se era ciúme, nunca fiquei sabendo, mas as lembranças do Afonso me tiravam o sono. Lembra-se do Afonso? (É mesmo!, o Folhetim está no blog, contando a história toda!) Depois T. começou a ficar agressivo, me diminuía por qualquer motivo, Coisa mais desprezível, jogava na minha cara, Pára com isso porque assim você me envergonha!
            Aí foi demais, mandei ele para a puta que o pariu.
            Será que tenho dedo-podre para escolher homem, André? Você acredita nisso de dedo-podre? Eu acredito. Qualquer dia escrevo uma cartinha sobre esta minha teoria.
            Era isso que eu queria lhe dizer, antes que você me perguntasse pelo Doutor T.. Pois morreu.
            Grande abraço, e agora me responda logo, pois não tenho mais desgraças para lhe adiantar.

            Da sempre sua,
                                                                        Suzete.
           
           


6 comentários:

  1. Sobrou para o dedo?! Rsrs.
    É difícil mesmo encontrar pessoais interessantes.

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  2. Essa Suzete é uma pândega! Ninguém merece namorar dermatologista. Diga a ela para tomar cuidado com médicos, de modo geral. É difícil salvar algum. Melhor ela tentar um daqueles vendedores da Livraria Cultura, com rabinho de cavalo e brinquinho na orelha. Maior cabeça!

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  3. A Suzete é uma figura! Adorei esta postagem. E também o comentário do tio. bjs

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  4. E Suzete!!! Figura de sempre! Tio, quando ela lhe escrever sobre a teoria do dedo podre, poste-a para nós, fiquei curiosíssimo!

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  5. Gostar de Paulo Coelho,não dá ! Me diverti com o texto.

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