terça-feira, 24 de outubro de 2017

Some we love, some we hate, some we eat

Em sua coluna do último domingo (22/10/2017) para a Folha de S. Paulo, Dá para ser ético com animais?, Hélio Schwartsman, logo de início coloca para os não-vegetarianos a desconfortável questão:

“Se você é um ser humano com bons sentimentos, provavelmente se opõe à vaquejada, uma forma de exploração animal que, embora não resulte na morte do bovino, estressa-o e pode feri-lo. Mas, se somos contra a vaquejada, como admitimos o hambúrguer?”

Em seguida o colunista faz referência ao livro de Hal Herzog, que traz o curioso título Some We Love, Some We Hate, Some We Eat (alguns nós amamos, alguns odiamos, alguns comemos). Através de pesquisas científicas e histórias envolvendo humanos e não humanos, ele trata da antrozoologia, a nova ciência que estuda as interações entre pessoas e animais.
A coisa complica quando questões éticas são formuladas: “Quais são nossas obrigações para com animais? Podemos mantê-los como pets? Utilizá-los em experiências científicas? Comê-los? Matá-los para evitar zoonoses? E se for para nossa diversão, como nas rinhas de galo?”
Afirma Schwartsman: “A conclusão a que Herzog chega é inequívoca: a única consistência na forma como nos relacionamos com animais é a inconsistência. Qualquer que seja a posição ética que adotemos, ela levará a paradoxos.”
            Esta resposta evidentemente é insatisfatória. Fui buscar então no excelente Vocabulário da Psicanálise, de Laplanche e Pontalis (Martins Fontes, 2001), a definição de Clivagem do Ego:

“Expressão usada por Freud para designar o fenômeno muito particular – que ele vê operar sobretudo no fetichismo e nas psicoses – da coexistência, no seio do ego, de duas atitudes psíquicas para com a realidade exterior quando esta contraria uma exigência pulsional. Uma leva em conta a realidade, a outra nega a realidade em causa e coloca em seu lugar uma produção do desejo. Estas duas atitudes persistem lado a lado sem se influenciarem reciprocamente.”

            Dois conceitos fundamentais em Psicanálise (e que interessam à compreensão do comportamento humano) são aqui apresentados: a “exigência pulsional” e a “produção do desejo”.
            Ora, sabe-se, em pouquíssimas palavras, que o consumo de carne para o humano mais primitivo foi fator decisivo para sua evolução, já que havia menos trabalho digestório e mais sangue para irrigar o cérebro, que assim pôde desenvolver-se. Podemos pensar que tal fato, ao longo de milhares de anos, tornou-se exatamente uma exigência pulsional. E não é difícil imaginar que em certa altura da evolução do Homo sapiens surge o desejo de ingerir um suculento pernil!
            Não é fácil abrir mão deste comportamento tão primitivo, o de comer carne (verdadeira pulsão, ou instinto, embora haja muita discussão sobre o emprego desses dois termos). Penso, porém, que há suficiente consistência, ao contrário do que afirma Schwartsman, nos conceitos estabelecidos por Freud, especialmente nos artigos Fetichismo (1927), A divisão do ego no processo de defesa (1938) e em Esboço de psicanálise (1938). Vale a pena conferir.




            

2 comentários:

  1. No futuro próximo, utilizar os animais como fonte de comida não será necessário graças a bioimpressão 3D de alimentos.

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  2. Consistente ou não, que peninha dos bichinhos!...

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