Autor de
literatura originalíssima, até mesmo verificável nos títulos de seus livros
(Araã!, Grogotó, Zaratempô!, Catrâmbias!, Erefuê, Minha mãe se matou sem dizer
adeus, Os piores dias de minha vida foram todos, O mendigo que sabia de cor os
adágios de Erasmo de Rotterdam, e o recentíssimo Nunca houve tanto fim como
agora), Evandro Affonso Ferreira permanece um autor pouco lido.
Para quem
deseja uma pequena amostra do estilo de Evandro Affonso Ferreira, em Não tive nenhum prazer em conhecê-los (Record,
2016, p. 142-3), eis três trechos escolhidos aleatoriamente (ele separa os textos assim mesmo, através de asteriscos):
*Já
vivi, sim, noventa anos, mas sem muita destreza para reprimir próprios
rancores. Sei que exagerei nos atalhos: cheguei cedo demais na velhice. Acho
que fui estrangulado pela afoiteza. Sei que envelhecer é se atafulhar de
prenúncios; é ser refém das torpezas da decrepitude. Seja como for, tenho medo
nenhum de ventanias: não há mais telhas na cobertura da construção da minha
vida. Ficaram, sim, meus passos lentos e estouvados dentro desta
casa-eremitério.
* Felicidade? Escamugiu-se... escorcemelou-se... fez víspere...
tingou-se... fez-se à malta, se foi em retirada me deixando de herança riquíssimo
vocabulário.
* Eu? Escondo-me atrás dos vocábulos: desconsolo é pedra de toque,
profissão de fé dela, minha literatura. Mas, diacho, sempre que vejo criança
abandonada dormindo na rua fico constrangido esquivoso comigo mesmo pensando
ato contínuo na superfluidade das sutilezas e do caráter quase sempre ambíguo
deles, meus textos ficcionais. Em vez de escritor autônomo, autômato – sou sim.
Modéstia à parte vivo sempre insatisfeito comigo mesmo. Sim: vida toda num breu
daqueles – luzinha de vaga-lume qualquer já me ajudaria tatear lado obscuro das
coisas. Sim: escrevo par domesticar quietude. Tomara minhas lágrimas deságuem
no rio Letes.
Não
tive nenhum prazer em conhecê-los é um livro tóxico, o leitor não poderá
ler mais de quatro ou cinco páginas em
sequência, precisa fechar o livro, respirar fundo, abri-lo horas depois ou até
mesmo no dia seguinte, e continuar a leitura. Mas não conseguirá deixar de
lê-lo.
Surge um novo estilo na literatura
brasileira. Não se trata de leitura fácil, porém inegavelmente atinge o
poético.
Haverá quem goste, haverá quem não goste. Não custa
experimentar, a surpresa espreita.
Adorei o título!
ResponderExcluirTio fiquei super interessado!
ResponderExcluir"Modéstia à parte vivo sempre insatisfeito comigo mesmo. Sim: vida toda num breu daqueles – luzinha de vaga-lume qualquer já me ajudaria tatear lado obscuro das coisas."
Que profundo, e quanto me descreveu, viver insatisfeito com sigo próprio seria um problema? Nunca tinha pensando por este prisma! Que coisa! Mais é bem isso, nuca estive satisfeito comigo, mas nunca me dei conta disto, só agora depois de ler o que você compartilhou.
E agora? O que me espreitará? Medo!
Vamos pensar sobre isso, Miledi.
ExcluirVamos ler, vamos ler, que o louco não recomenda coisa ruim...
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