A facção que
dominava a favela há vários anos, sob o comando implacável de Zeca Pedalão,
rachou. E rachou feio. O motivo nunca foi bem esclarecido, mas o certo é que
havia mulher no meio. Zeca Pedalão, além de dominar o tráfico de drogas em toda
a favela, era dono – isso mesmo, senhor proprietário – da neguinha mais
bonita da comunidade, de nome Zenilde. Zenilde era de fechar o comércio, como
se dizia antigamente. Cabelinho sarará, carinha de anjo, nariz de boneca, um
corpinho de miss, era cobiçada em segredo por todo homem da favela, mas em
segredo, que o medo de Zeca Pedalão era maior que o tesão.
A facção rachou.
Em plena manhã de domingo o grupo dissidente chefiado por Miguelão Boia Fria,
muito bem armado, anunciou com rajadas de metralhadora quem mandava na favela a
partir daquele momento. O morro tremeu. Zenilde tremeu, até porque havia
recebido, na véspera, bilhetinho assinado MBF, dizendo Amanhã tu é minha! Zeca
Pedalão manteve a calma, até que viu o morro ser invadido por traficantes de
duas favelas vizinhas, a tomar partido de Miguelão Boia Fria.
Ao meio-dia voou
bala para todo lado, barulho ensurdecedor, tátátátátátátátátátátá, o reboco das
paredes na frente dos barracos todo esburacado, as pessoas trancadas em
banheiros precários mijando de pavor, deitadas debaixo da cama, escondidas
atrás da geladeira, criança chorando sem parar, tátátátátátátátátátátá, bojão
de gás explodindo com os tiros, incêndio, velhinhos gritando É o fim do mundo,
ruas desertas, os atiradores posicionados em lajes estratégicas de onde podiam
identificar o inimigo sem serem atingidos, tátátátátátátátátátátá, um inferno.
Não se via polícia
num raio de 10 Km. As Forças Armadas – Exército, Marinha, Aeronáutica –, que
haviam prometido ajuda, não deixaram os quarteis. Os traficantes tomaram conta
do pedaço, todos corajosos, destemidos, a defenderem seus pontos-de-droga com
unhas e dentes e fuzis AR15. À noite, toque de recolher, quem está dentro não
sai, quem está fora não entra.
Dia seguinte o
Governador, em solene pronunciamento, anunciou que a Polícia não interferiu
para evitar mal maior, uma chacina. E continuou não interferindo por vários
dias, de modo que a população permaneceu presa em suas próprias casas, as
crianças sem escola – o que adoraram! – os traficantes com seu
tátátátátátátátátátátá. Luta renhida, parecia não haver vencedor ou perdedor. Munição
não faltava. Até quando, meu deus!
Foi então que o
líder da comunidade resolveu agir. Homem experimentado, do alto de seus 60
anos, mulato forte mas já grisalho, Benedito, ou Bené como era conhecido de
todos, com autoridade de homem sério, anunciou:
– Pois de agora em
diante ninguém mais compra droga nessa favela!
A notícia
espalhou-se não apenas pelo morro como por toda a cidade. Se a Polícia e as
Forças Armadas nada podiam fazer, a população civil faria: nada de comprar
droga.
Entre os
traficantes, a notícia foi uma bomba. Então estavam brigando por quê?
Pontos-de-droga sem compradores? O tiroteio cessou imediatamente. O inimigo
agora era outro, e poderoso. Os invasores regressaram às respectivas favelas.
Zeca Pedalão e Miguelão Boia Fria fizeram as pazes, Zenilde trancada a cadeado
em seu quartinho sem janela. A questão era de sobrevivência!
A sociedade civil
manteve-se firme, bem verdade que alguns ainda consumiam o pequeno estoque que restava em casa. Ninguém comprava um pacotinho sequer.
As Forças Armadas então
se prontificaram a fazer o patrulhamento de alguns pontos da cidade. A Polícia
aos poucos voltou às ruas, a cercar pivetes em pontos turísticos. A vida só não
voltava ao normal para os traficantes, pés e mãos atados, os fregueses sumidos
– os riquinhos da Zona Chique.
Até que um certo
dia...
Triste realidade! Educação é a salvação, só! Muito bom como sempre seus contos!
ResponderExcluirBoa ficção. Parabéns.
ResponderExcluirA solução para acabar com o tráfico de drogas foi descrita. Ótimo conto! Muito visual.
ResponderExcluirO louco em grande forma ficcional!
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