Minha querida Suzete,
pensou que eu havia morrido, não é? Pois estou
vivinho da silva, meio atrapalhado com o aparelho locomotor, mas ainda bem que
o aparelho de pensar (precário) continua funcionando. Desculpe a demora em lhe responder.
Desde
que recebi sua última carta, após a fatídica visita a Capelinha do Chumbo (que
nome, heim!), desejo manifestar minha solidariedade a você e meu protesto
contra a tal música sertaneja.
O
nosso Brasil varonil sempre se destacou pela qualidade de sua música popular,
especialmente após o surgimento da Bossa Nova. Enquanto esta mesma música
popular parece estagnada em países como a Itália, França, Portugal, prosperou
em nossa terra, repleta de bons compositores. Temos o reconhecimento internacional
neste quesito, coisa rara de se ver.
Pois
não é que agora vem essa bendita sertaneja atormentar as orelhas da gente?! Que
coisa horrível, Suzete! As letras são de uma banalidade absoluta, o que permite
sejam decoradas com facilidade, e assim a plateia pode cantar junto, o que
agrava nosso tormento auditivo. As músicas de uma pobreza incrível,
ridículas, próprias para serem acompanhadas por músicos incompetentes. (Gostei
do seu traaammm-traaammm-traaammm... Onomatopeia perfeita!)
Minha
questão é: será que isso vai tomar conta da música popular brasileira? O país
afunda econômica e politicamente; nossa música está afundando junto?
Me
acompanha desde sempre um aforismo permanente, que aplico a quase tudo na vida,
desde aprender a comer ostras até apreciar o quarteto para cordas opus 132 em
lá menor de Beethoven, que reza:
Tudo Na Vida É Uma Questão
De Educação.
Enquanto
nossa Educação desce ladeirabaixo, a música sertaneja sobe aos palcos e
floresce de ponta a ponta no país. Só faltava essa!
Suzete,
estou com você, solidário no seu sofrimento em Capelinha do Chumbo. Porém,
aproveito esta cartinha para lhe recomendar leitura bem mais edificante, com a
qual estou maravilhado, como que envolvido pela nuvem mágica da Grande Literatura,
mesmo após o término do livro, que não me sai da cabeça. Se você leu os últimos
posts do Louco, saberá que estou a
falar De amor e trevas, do grande
Amós Oz.
São
600 páginas de muito amor e alguma treva! Impossível não se emocionar, Suzete. Destaco
para você um pedacinho:
“Uma
vez, quando eu tinha sete ou oito anos de idade, estávamos sentados no
penúltimo banco de um ônibus a caminho do posto de Kupat Cholim ou de uma
sapataria, minha mãe me disse que embora os livros possam mudar ao longo dos
anos, assim como as pessoas, a diferença está em que, enquanto as pessoas
sempre nos abandonam quando percebem que não podem mais obter nenhuma vantagem,
prazer, interesse ou pelo menos um bom momento de nós, um livro nunca vai nos
abandonar. ...Eles nos esperam até por dezenas de anos. Não se queixam. Até que
numa noite, quando de repente você vier a precisar de um deles, mesmo que seja
às três da madrugada, e mesmo que seja um livro que você tenha desprezado e
quase apagado de seu coração por muitos e muitos anos, ele não vai
decepcioná-lo – descerá da prateleira e virá conviver com você num momento
difícil.”
Que
boa lembrança o menino Amós traz da mãe dele! Que bom conselho!
Sabe Suzete, a velhice traz bem isso com ela: “as
pessoas sempre nos abandonam quando percebem que não podem mais obter nenhuma
vantagem, prazer, interesse ou pelo menos um bom momento de nós”. Difícil obter
alguma coisa de um velho que não seja o cheiro da velhice. Se não há vantagem
alguma, melhor a distância.
Termino
por aqui, Suzete, com o mesmo carinho que sempre senti por você.
Do seu
andré
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