Assídua leitora do Louco por Cachorros, que não me autorizou revelar seu
nome, enviou-me por e-mail comentário sobre minha Resposta a Suzete, falando de música sertaneja. (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2017/07/respondo-suzete-falando-de-musica.html)
De música sertaneja,
nem uma palavra digna-se proferir minha assídua leitora! Ela está certa: para
que perder tempo com ninharias?
Elogia De amor e trevas, que leu em inglês:
“livro magnífico”, diz ela, pessoa educada e de bom gosto.
E conclui a mensagem
com a seguinte observação:
“…agora, tem um
trecho na sua carta que eu não concordo, porém respeito a sua opinião:
" Sabe Suzete,
a velhice traz bem isso com ela: “as pessoas sempre nos abandonam quando
percebem que não podem mais obter nenhuma vantagem, prazer, interesse ou pelo
menos um bom momento de nós”. Difícil obter alguma coisa de um velho que não
seja o cheiro da velhice. Se não há vantagem alguma, melhor a distância."
Eu convivi a maior
parte dos 20 anos que morei no [meu país] com meu avô (que continua em primeiro
lugar no topo da lista das pessoas mais incríveis que eu conheci na vida até
este momento) e nunca senti o cheiro da velhice, cheirava mais sabedoria,
cigarro e chá preto forte (acredito que esse seja o motivo do meu apreço pelo
cheiro do cigarro e chá preto forte!!) ...bons velhos tempos.”
Gostei tanto dessa
resposta que resolvi publicá-la no Louco, mesmo sem a autorização da autora.
(Omiti o país em que morou, para evitar que possa ser identificada.)
Trata-se de pura poesia:
velhice
cheira
sabedoria
cigarro
chá
preto forte
Daí meu desejo de reproduzir aqui este poema!
Além do que este avô deve ser mesmo muito especial.
(Algum espírito de porco poderia dizer que ele fuma e bebe chá preto forte para
disfarçar o cheiro da velhice, e esta seria então uma evidente manifestação de
sabedoria. Não é o caso, certamente.)
Voltemos
às pessoas comuns. A velhice não traz sabedoria, necessariamente. O acúmulo de
experiência oferecido pelo passar dos anos pode ser capaz apenas de encher um
quarto-de-despejo, entulhado de quinquilharias, bugigangas, ninharias, coisas
mofadas, objetos inúteis, antigos brinquedos quebrados de uma infância remota e
esquecida, roupas sujas, sapatos furados, curativos tintos de sangue, amores
perdidos, órgãos destroçados, fragmentos de unhas cortadas, tufos de cabelos
seculares, lágrimas lágrimas lágrimas, vasilhas transbordando lágrimas oriundas
de mazelas do corpo e da alma, fezes e urina espalhadas pelo chão, guimbas
amarelecidas e fétidas, garrafas vazias, taças cheirando a vinho passado, recibos
inúteis, contas pagas de água luz telefone, coisas que não servem para nada, a
entupir esse quarto de despejo que ocupa descomunal espaço dentro do eu-velho. Esse
quarto tem cheiro de velhice.
A
maioria dos velhos gosta de falar! (Alguns preferem escrever...) Eles falam de
tudo, principalmente de um passado que já não interessa a quem os ouve, que
ouve por educação, compaixão mais raramente, exercício de paciência na maior
parte das vezes. No próximo encontro, as mesmas velhas notícias, esquecidos de
que já foram contadas mil vezes. O velho é chato. Inconveniente muitas vezes.
Melhor
o velho calado, aquele que poupa o interlocutor, mesmo que não o faça
intencionalmente. Não fala porque o aparelho de pensar já não funciona bem, e
se não pensa não pode falar. Antes assim. Quando não se torna rabugento...
Há
exceções: são os velhos especiais! O avô de minha assídua leitora é uma dessas
pessoas: ele não acumulou entulho, desenvolveu sabedoria. A neta, uma
privilegiada.
A neta construiu uma bela imagem do avô!
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