quinta-feira, 13 de julho de 2017

Cheiro de velhice

            
             Assídua leitora do Louco por Cachorros, que não me autorizou revelar seu nome, enviou-me por e-mail comentário sobre minha Resposta a Suzete, falando de música sertaneja. (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2017/07/respondo-suzete-falando-de-musica.html)
            De música sertaneja, nem uma palavra digna-se proferir minha assídua leitora! Ela está certa: para que perder tempo com ninharias?
            Elogia De amor e trevas, que leu em inglês: “livro magnífico”, diz ela, pessoa educada e de bom gosto.
            E conclui a mensagem com a seguinte observação:
           
“…agora, tem um trecho na sua carta que eu não concordo, porém respeito a sua opinião:

Sabe Suzete, a velhice traz bem isso com ela: “as pessoas sempre nos abandonam quando percebem que não podem mais obter nenhuma vantagem, prazer, interesse ou pelo menos um bom momento de nós”. Difícil obter alguma coisa de um velho que não seja o cheiro da velhice. Se não há vantagem alguma, melhor a distância."

Eu convivi a maior parte dos 20 anos que morei no [meu país] com meu avô (que continua em primeiro lugar no topo da lista das pessoas mais incríveis que eu conheci na vida até este momento) e nunca senti o cheiro da velhice, cheirava mais sabedoria, cigarro e chá preto forte (acredito que esse seja o motivo do meu apreço pelo cheiro do cigarro e chá preto forte!!) ...bons velhos tempos.”

            Gostei tanto dessa resposta que resolvi publicá-la no Louco, mesmo sem a autorização da autora. (Omiti o país em que morou, para evitar que possa ser identificada.)
Trata-se de pura poesia:

velhice
cheira sabedoria
cigarro
chá preto forte

Daí meu desejo de reproduzir aqui este poema!
Além do que este avô deve ser mesmo muito especial. (Algum espírito de porco poderia dizer que ele fuma e bebe chá preto forte para disfarçar o cheiro da velhice, e esta seria então uma evidente manifestação de sabedoria. Não é o caso, certamente.)
            Voltemos às pessoas comuns. A velhice não traz sabedoria, necessariamente. O acúmulo de experiência oferecido pelo passar dos anos pode ser capaz apenas de encher um quarto-de-despejo, entulhado de quinquilharias, bugigangas, ninharias, coisas mofadas, objetos inúteis, antigos brinquedos quebrados de uma infância remota e esquecida, roupas sujas, sapatos furados, curativos tintos de sangue, amores perdidos, órgãos destroçados, fragmentos de unhas cortadas, tufos de cabelos seculares, lágrimas lágrimas lágrimas, vasilhas transbordando lágrimas oriundas de mazelas do corpo e da alma, fezes e urina espalhadas pelo chão, guimbas amarelecidas e fétidas, garrafas vazias, taças cheirando a vinho passado, recibos inúteis, contas pagas de água luz telefone, coisas que não servem para nada, a entupir esse quarto de despejo que ocupa descomunal espaço dentro do eu-velho. Esse quarto tem cheiro de velhice.
            A maioria dos velhos gosta de falar! (Alguns preferem escrever...) Eles falam de tudo, principalmente de um passado que já não interessa a quem os ouve, que ouve por educação, compaixão mais raramente, exercício de paciência na maior parte das vezes. No próximo encontro, as mesmas velhas notícias, esquecidos de que já foram contadas mil vezes. O velho é chato. Inconveniente muitas vezes.
            Melhor o velho calado, aquele que poupa o interlocutor, mesmo que não o faça intencionalmente. Não fala porque o aparelho de pensar já não funciona bem, e se não pensa não pode falar. Antes assim. Quando não se torna rabugento...
            Há exceções: são os velhos especiais! O avô de minha assídua leitora é uma dessas pessoas: ele não acumulou entulho, desenvolveu sabedoria. A neta, uma privilegiada.

            

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