terça-feira, 2 de maio de 2017

Nascimento de uma aquisição cultural


Enquanto grande parte dos seres humanos busca respostas para o sentido da vida em concepções mágicas, originadas na infância da humanidade, muitos avanços da Ciência são pouco valorizados ou permanecem mesmo ignorados. Refiro-me às contínuas descobertas da antropologia, da genética, da evolução biológica e de ramos afins do conhecimento.
Para um entusiasta como eu da Evolução das Espécies, que há muito deixou de ser teoria para compor um conjunto de fatos cientificamente comprovados, a notícia não poderia ser mais encantadora. A reportagem é de Javier Salas e foi publicada em El País (2/5/2017).
Alguns cientistas estudam um grupo de chimpanzés em Uganda, com cerca de 70 exemplares, há mais de 20 anos. Os cientistas observaram que estes primatas descobriram uma nova forma de beber água.
Em 2011, Nick, o macho-alfa da comunidade Sonso, começou a retirar água de um poço de uma forma nunca antes registrada: em vez de usar uma folha de árvore, ele submergia um punhado de musgo na água para então sugá-la, como se fosse uma esponja. Em uma semana, oito chimpanzés já tinham adotado esse novo sistema.


Um chimpanzé usa musgo para beber água extraída de um poço.
Foto CATHERINE HOBAITER
  
Salas compara esse instante com o momento preciso em que parte da humanidade decidiu usar garfo para comer, enquanto um outro grupo optava por usar os pauzinhos, em vez de comer com as mãos.
“Tivemos uma sorte incrível de estar no lugar certo na hora certa para documentar o surgimento e a difusão de novos comportamentos no uso de ferramentas, algo extremamente raro na natureza”, explica a primatóloga Catherine Hobaiter. A equipe, da Universidade St. Andrews, conseguiu, com efeito, registrar o surgimento de uma nova ferramenta e como um grupo de companheiros adotou essa técnica ao observar o chimpanzé inovador. Isso levou a uma convivência entre dois subgrupos culturais: os indivíduos que se baseavam na técnica tradicional de beber e os que usavam o musgo para absorver a água.”
Três anos depois, outros cientistas voltaram ao poço de argila. É possível que aquilo fosse apenas uma “brincadeira”, esquecida em seguida pelos chimpanzés. Colocaram câmaras diante do poço e observaram uma “manifestação cultural em desenvolvimento e expansão”.
No grupo inicial, 8 de 32 chimpanzés bebiam com musgos; neste novo grupo, 22 dos 40 que foram até lá beber utilizavam a nova maneira de beber. Em três anos, “os modernos passaram de 25% para mais de metade do grupo”, conforme escrevem num estudo publicado pela Science Advances.
            E ainda muito interessante: “O macho-alfa inovou, seu círculo adotou isso como tendência, e as mães consolidaram a novidade como tradição, ao transmiti-la a outra geração. Ou seja, numa primeira fase de expansão o fato cultural se difundiu por afinidade social, entre o grupo mais próximo de Nick. Mas, a partir daí, numa segunda fase, foram as fêmeas que consolidaram esta ferramenta, habituando sua prole a usá-la.”
Afirma a reportagem: “é extraordinário ter a ocasião de ver o fenômeno surgir para estudar como se desenvolve e se difunde, como está acontecendo na comunidade Sonso da floresta ugandense do Budongo.”
O Louco lê a notícia com incontida emoção. Penso que tais fenômenos são bem mais extraordinários que quaisquer explicações mágicas sobre quem somos e o que fazemos neste planeta Terra.





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