Havia um tempo em que eu não tinha um blog. Chego a pensar
até que eu não era eu mesmo, pois não registrava ideias sobre o que via, ouvia,
lia, sobre o cotidiano da vida.
(Aos poucos perde-se tudo, esvai-se a memória, tal qual
caderno de uma vida que cai na água e a tinta se dissolve aos poucos, as
páginas tornam-se brancas novamente – tabula
rasa. O processo é lento e inexorável, perceptível apenas quando alguém,
impiedosamente, faz referência a fatos marcantes, dos quais não tenho a menor
lembrança; para compensar, cito fatos que ainda não foram apagados da memória,
como quem diz, Veja como estou bom da cabeça!
É preciso haver uma certa
resignação, se possível achar graça até, para que os piores pensamentos não ocupem
o espaço destinado à lucidez que me resta. Um bom filme, um grande livro, tudo
se esvai, restam frangalhos a partir dos quais ainda é possível reconstituir
parte do todo, mesmo que precariamente.
Mas não posso me queixar, ainda
posso escrever com certa propriedade e correção – autoindulgência? Agora tenho
um blog! Repito ad nauseam: a isso
chamo escrita terapêutica.)
Pois foi naquele tempo, anos
atrás, quando ao fechar um certo livro de Rubem Fonseca (do qual, naturalmente, não me lembro do título), jurei a mim mesmo que jamais voltaria a ler um livro daquele
autor: ele deteriorara-se completamente, apodrecera, tornara-se um embuste, em
minha opinião.
Mas não havia um blog no qual eu
pudesse registrar tais ideias, por mais heréticas que fossem, pois se tratava
do grande Rubem Fonseca. Cumpri com minha decisão. Bani o autor de minha biblioteca.
Agora, deparei com a opinião
abalizada de Sérgio Rodrigues, homem que sabe das coisas e que acaba de
publicar crítica sobre o citado autor. O título da crítica de Sérgio Rodrigues
diz tudo: “Rubem Fonseca parece encher obra com esboços tirados do lixo.”
Rodrigues não perdoa: “A prosa
rala tem um inacabamento que a edição pobre espelha: é gritante o descaso
autoral, o descarte das etapas de reflexão, adensamento, edição. O livro:
Calibre 22, da Editora Nova Fronteira.
E o crítico conclui: “Aos 91
anos, Fonseca é e sempre será um grande escritor, mas só fãs menos exigentes
terão prazer com o novo livro.
Se eu já não lia antes, agora
lerei jamais.
O direito de só ler o que há de bom e do melhor para cada um. Tanta literatura ótima porque ler o regular ou ruim. Ótima metáfora do cadernos em águas deixando a página em branco. Também há uma avalanche de informações diárias que ultrapassa a possibilidade do cérebro reter e acessar a tudo. Esquecer pode ser um mecanismo de defesa cerebral apagando o que não merece ser guardado.
ResponderExcluirSaber parar, eis uma sabedoria rara: muitos esperam que a morte tome as providencias cabíveis. Porque é doído parar, depois de uma carreira brilhante. Ainda bem que o louco está longe de precisar parar. Para nossa satisfação...
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