domingo, 9 de abril de 2017

O ocaso de Rubem Fonseca e de todos nós

            Havia um tempo em que eu não tinha um blog. Chego a pensar até que eu não era eu mesmo, pois não registrava ideias sobre o que via, ouvia, lia, sobre o cotidiano da vida.
            (Aos poucos perde-se tudo, esvai-se a memória, tal qual caderno de uma vida que cai na água e a tinta se dissolve aos poucos, as páginas tornam-se brancas novamente – tabula rasa. O processo é lento e inexorável, perceptível apenas quando alguém, impiedosamente, faz referência a fatos marcantes, dos quais não tenho a menor lembrança; para compensar, cito fatos que ainda não foram apagados da memória, como quem diz, Veja como estou bom da cabeça!
É preciso haver uma certa resignação, se possível achar graça até, para que os piores pensamentos não ocupem o espaço destinado à lucidez que me resta. Um bom filme, um grande livro, tudo se esvai, restam frangalhos a partir dos quais ainda é possível reconstituir parte do todo, mesmo que precariamente.
Mas não posso me queixar, ainda posso escrever com certa propriedade e correção – autoindulgência? Agora tenho um blog! Repito ad nauseam: a isso chamo escrita terapêutica.)
Pois foi naquele tempo, anos atrás, quando ao fechar um certo livro de Rubem Fonseca (do qual, naturalmente, não me lembro do título), jurei a mim mesmo que jamais voltaria a ler um livro daquele autor: ele deteriorara-se completamente, apodrecera, tornara-se um embuste, em minha opinião.
Mas não havia um blog no qual eu pudesse registrar tais ideias, por mais heréticas que fossem, pois se tratava do grande Rubem Fonseca. Cumpri com minha decisão. Bani o autor de minha biblioteca.
Agora, deparei com a opinião abalizada de Sérgio Rodrigues, homem que sabe das coisas e que acaba de publicar crítica sobre o citado autor. O título da crítica de Sérgio Rodrigues diz tudo: “Rubem Fonseca parece encher obra com esboços tirados do lixo.”
Rodrigues não perdoa: “A prosa rala tem um inacabamento que a edição pobre espelha: é gritante o descaso autoral, o descarte das etapas de reflexão, adensamento, edição. O livro: Calibre 22, da Editora Nova Fronteira.
E o crítico conclui: “Aos 91 anos, Fonseca é e sempre será um grande escritor, mas só fãs menos exigentes terão prazer com o novo livro.
Se eu já não lia antes, agora lerei jamais.




2 comentários:

  1. O direito de só ler o que há de bom e do melhor para cada um. Tanta literatura ótima porque ler o regular ou ruim. Ótima metáfora do cadernos em águas deixando a página em branco. Também há uma avalanche de informações diárias que ultrapassa a possibilidade do cérebro reter e acessar a tudo. Esquecer pode ser um mecanismo de defesa cerebral apagando o que não merece ser guardado.

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  2. Saber parar, eis uma sabedoria rara: muitos esperam que a morte tome as providencias cabíveis. Porque é doído parar, depois de uma carreira brilhante. Ainda bem que o louco está longe de precisar parar. Para nossa satisfação...

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