domingo, 5 de fevereiro de 2017

Manchester by the sea



            Com o título em português de Manchester à beira-mar, o filme de Kenneth Lonergan está entre os melhores dramas recentemente produzidos.
            O protagonista, tio Lee (Casey Affleck), é um faz-tudo sobrevivendo em Boston, um morto-vivo desrespeitado pelos moradores que o chamam para reparos de encanador, eletricista, pedreiro, enfim, pau-pra-toda-obra sem qualquer valor. Os desaforos que ele ouve, ora reage, ora não, numa apatia impressionante. (Um certo morador, depois de discutir sobre o melhor tipo de reparo a ser executado, pergunta-lhe Por quê você não pode dar uma resposta profissional? Ele simplesmente não pode, em sua permanente anedonia.)
            O clima sombrio, parado, com cenas praticamente estáticas, prenuncia uma tragédia, que não devo revelar aqui.
            Enfim, o filme trata de um trauma nunca superado. O mais interessante é que em momento algum alguém aconselha tio Lee que ele deve superar o trauma, que precisa superar o trauma.
            “Trauma é trauma”, ouvi certa feita de meu analista, e naquele momento a frase simples, curta, óbvia, me fez muito sentido. O filme é tristíssimo exatamente por isso: trata-se do relato de um trauma insuperável, ao menos para tio Lee, e talvez para a maioria dos humanos.
            Diante de um grave trauma, supera-se ou não se supera. No filme de Lonergan, não há obrigação de superá-lo, depende da capacidade de cada um, da escolha de cada um. Os de fora têm dificuldade para compreender isso, e por isso repetem Você tem que superar, Você tem que se cuidar, Você tem que aceitar.
            Em determinado momento do filme, tio Lee é instado a assumir a responsabilidade de tutor do sobrinho, e ele simplesmente responde que não pode! Acima de tudo, ele reconhece as próprias limitações, o que não é fácil para a maioria das pessoas. A ele, talvez possamos dar o título de anti-herói.
            O outro tema presente no filme – e de resto presente em inúmeros dramas do cinema – é o sentimento de culpa. Este é em grande parte responsável pela não superação do trauma, como ocorre exatamente na vida real.
            O desempenho de Casey Affleck no papel principal é mesmo monumental. A trilha sonora é de primeira qualidade, bem como a fotografia. Um grande filme.


Um comentário:

  1. Vamos conferir. Almas feridas são um tema recorrente no cinema, do que se conclui que se trata de problema eterno e universal. Somos tomos anti-heróis, em grau mais ou menos trágico. Fica a pergunta: por que haveremos de ter traumas insuperáveis, para sempre?

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