segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Luto

              “Então, em que consiste o trabalho realizado pelo luto? Creio que não é forçado descrevê-lo da seguinte maneira: a prova de realidade mostrou que o objeto amado já não existe mais e agora exige que toda a libido seja retirada de suas ligações com esse objeto. Contra isso se levanta uma compreensível oposição; em geral se observa que o homem não abandona de bom grado uma posição da libido, nem mesmo quando um substituo já se lhe acena. Esta oposição pode ser tão intensa que ocorre um afastamento da realidade e uma adesão ao objeto por meio de uma psicose alucinatória de desejo. O normal é que vença o respeito à realidade. Mas sua incumbência não pode ser imediatamente atendida. Ela será cumprida pouco a pouco com grande dispêndio de tempo e de energia de investimento, e enquanto isso a existência do objeto de investimento é psiquicamente prolongada. Uma a uma, as lembranças e expectativas pelas quais a libido se ligava ao objeto são focalizadas e superinvestidas e nelas se realiza o desligamento da libido. Por que essa operação de compromisso, que consiste em executar uma por uma a ordem da realidade, é tão extraordinariamente dolorosa, é algo que não fica facilmente indicado em uma fundamentação econômica. E o notável é que esse doloroso desprazer nos parece natural. Mas de fato, uma vez concluído o trabalho do luto, o ego fica novamente livre e desinibido.”

Sigmund Freud
Luto e melancolia
Tradução de Marilene Carone

Cosacnaify, 2011

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