sábado, 9 de julho de 2016

Em teu ventre, J. L. Peixoto


O tema não poderia ser mais explorado, mais batido, já que os acontecimentos – reais ou fictícios, não importa – datam de 1917, ocorridos entre os meses de maio e outubro, em Portugal. Trata-se das aparições de Nossa Senhora a três crianças, no interior do país.
Embora surrada, a história é contada quase sempre sob o ponto de vista das crianças, a pressão que sofrem pelo descrédito da própria família, da Igreja, da vizinhança que se remói de inveja, ao mesmo tempo que passam a ser santificadas pelas mesmas, na expectativa de tirarem proveito, os doentes curados, os cegos recuperarem a visão, os paralíticos voltarem a andar, numa ambivalência que traz angústia e sofrimento a estas pobres crianças. Impossível que um milagre daqueles pudesse ocorrer no interior de Portugal, que Nossa Senhora apareça a três insignificantes crianças.
Tem-se ainda uma boa descrição de Portugal à época, início do século XX, com sua rudeza, conjunto de crenças, ignorâncias.
Portanto, não é pelo assunto que José Luís Peixoto agarra o leitor em seu último livro, que ele chama de novela, Em teu ventre (Ed. Quetzal, Lisboa, 2015). Digo agarra porque, tendo iniciado a leitura, não se pode largar o livro de tão bonito que é! Poesia em forma de prosa. Literatura é isso: forma. Repito.
Se não, vejamos:

“Tão fresca é esta brisa depois de um dia inteiro, tão leve é o seu toque nas cores por fim brandas, desnecessária a urgência por fim. Esta brisa atravessa o ar limpo, faz tremer as folhas prateadas das oliveiras, acende pontos de brilho no granito e passa pelas faces suaves de Lúcia. Está agachada perante uma sombra de terra limpa, quase arrumada ao muro breve do quintal. Há galinhas que se habituaram à presença da menina, aos seus movimentos repetidos. Lúcia joga com pedras. Esses gestos súbitos não perturbam as galinhas, que debicam torrões de terra e se queixam umas às outras com vogais que arredondam na garganta.”

            Em tempo, o livro ainda não foi editado no Brasil.

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