Perguntaram a Ruy Castro de que mais
gostava em Portugal, e como sua resposta coincide com a minha, veio-me à
lembrança antiga experiência vivida em Lisboa, em companhia de meu pai.
Ruy
responde:
"A delicadeza da língua. É algo que
um brasileiro percebe aqui a todo momento. Um jeito poético de nomear as coisas
— uma delicadeza que veio do passado. Está nos nomes dos objetos, dos
materiais, dos alimentos, das cidades e, principalmente, das ruas.
Como as ruas em homenagem
aos titulares de tantas profissões: rua dos Arameiros, dos Sapadores, dos
Fanqueiros, dos Douradores, dos Correeiros, dos Ladares, dos Sapateiros, dos
Actores, dos Bacalhoeiros. Ou as ruas da Esperança, das Farinhas, do
Terreirinho e, mais famosas, a das Flores, a do Ouro e a da Prata. E a do Sol
ao Rato? E a do Poço dos Negros? E a das Janelas Verdes?”
Fomos a Lisboa com meu pai. Ele já conhecia
Portugal e adorava o país, principalmente pela “facilidade da língua”, dizia
ele, sempre bem humorado. Observava tudo com entusiasmo, contando e recontando
os mesmos acontecimentos, como aquele em que perguntou a um gajo como chegar ao
Mosteiro dos Jerônimos, e ouviu a exata resposta, Tomas este bonde e ao chegar
ao ponto final, é lá, o Mosteiro dos Jerônimos.
Meu pai, nada exigente, ao
longo de toda a viagem fazia apenas um pedido, que fôssemos comer um bacalhau
na Rua dos Bacalhoeiros! Lá fomos nós, e não foi difícil encontrar o “famoso”
logradouro, rua estreita, singela, ladeada por casas comerciais decadentes,
pouca freguesia. Enfim, chegamos ao pobre restaurante.
O aspecto não era de
muito asseio, as pequenas mesas recobertas por toalhas de plástico desgastadas
pelo uso, pratos e talheres rústicos, copos de água para servir o vinho.
Sentamos, pedimos uma garrafa de vinho verde, que ao ser aberto, revelou-se completamente
estragado. O dono da casa que nos servia trouxe outra garrafa, agora em
perfeito estado.
Pedimos o bacalhau – só
havia uma escolha, assado, com batatas.
Enquanto esperávamos a
comida, de repente um estrondo! Aguaceiro escorrendo, a impressão de que uma barragem havia se rompido e que o restaurante seria inundado, melhor dizendo, submerso, em poucos minutos. Era o barulho da descarga do pequeno banheiro,
bem próximo de nossa mesa. Assustamos, mas o proprietário logo nos acalmou:
– Não é nada, apenas o autoclismo.
Respiramos aliviados, até que chegou o
bacalhau. No céu não haverá melhor!
Esta crônica está tão saborosa que se pode sentir o cheiro do vinho e o gosto do bacalhau. Um dia vou lá, repetir a façanha!
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