segunda-feira, 13 de junho de 2016

Rua dos Bacalhoeiros

Perguntaram a Ruy Castro de que mais gostava em Portugal, e como sua resposta coincide com a minha, veio-me à lembrança antiga experiência vivida em Lisboa, em companhia de meu pai.
            Ruy responde:
"A delicadeza da língua. É algo que um brasileiro percebe aqui a todo momento. Um jeito poético de nomear as coisas — uma delicadeza que veio do passado. Está nos nomes dos objetos, dos materiais, dos alimentos, das cidades e, principalmente, das ruas.
Como as ruas em homenagem aos titulares de tantas profissões: rua dos Arameiros, dos Sapadores, dos Fanqueiros, dos Douradores, dos Correeiros, dos Ladares, dos Sapateiros, dos Actores, dos Bacalhoeiros. Ou as ruas da Esperança, das Farinhas, do Terreirinho e, mais famosas, a das Flores, a do Ouro e a da Prata. E a do Sol ao Rato? E a do Poço dos Negros? E a das Janelas Verdes?”
             Fomos a Lisboa com meu pai. Ele já conhecia Portugal e adorava o país, principalmente pela “facilidade da língua”, dizia ele, sempre bem humorado. Observava tudo com entusiasmo, contando e recontando os mesmos acontecimentos, como aquele em que perguntou a um gajo como chegar ao Mosteiro dos Jerônimos, e ouviu a exata resposta, Tomas este bonde e ao chegar ao ponto final, é lá, o Mosteiro dos Jerônimos.
Meu pai, nada exigente, ao longo de toda a viagem fazia apenas um pedido, que fôssemos comer um bacalhau na Rua dos Bacalhoeiros! Lá fomos nós, e não foi difícil encontrar o “famoso” logradouro, rua estreita, singela, ladeada por casas comerciais decadentes, pouca freguesia. Enfim, chegamos ao pobre restaurante.
O aspecto não era de muito asseio, as pequenas mesas recobertas por toalhas de plástico desgastadas pelo uso, pratos e talheres rústicos, copos de água para servir o vinho. Sentamos, pedimos uma garrafa de vinho verde, que ao ser aberto, revelou-se completamente estragado. O dono da casa que nos servia trouxe outra garrafa, agora em perfeito estado.
Pedimos o bacalhau – só havia uma escolha, assado, com batatas.
Enquanto esperávamos a comida, de repente um estrondo! Aguaceiro escorrendo, a impressão de que uma barragem havia se rompido e que o restaurante seria inundado, melhor dizendo, submerso, em poucos minutos. Era o barulho da descarga do pequeno banheiro, bem próximo de nossa mesa. Assustamos, mas o proprietário logo nos acalmou:
– Não é nada, apenas o autoclismo.
Respiramos aliviados, até que chegou o bacalhau. No céu não haverá melhor!


Um comentário:

  1. Esta crônica está tão saborosa que se pode sentir o cheiro do vinho e o gosto do bacalhau. Um dia vou lá, repetir a façanha!

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