quarta-feira, 13 de abril de 2016

Primo Levi revisitado

                      


Há alguns anos li É isto um homem?, de Primo Levi (Rocco, 1988), e o livro não me saiu mais da cabeça. Tenho-o como um livro fundamental, relato da vida em Auschwitz, que há de impressionar a todos aqueles que se interessam por certos aspectos da alma humana.
Levi foi o primeiro a tornar públicos os acontecimentos ocorridos nos campos de extermínio durante a Segunda Guerra Mundial, dois ou três anos após seu término, portanto ainda sob o traumático impacto da experiência vivida pelo autor, um sobrevivente. O livro teve difusão mundial apenas após sua segunda edição, em 1958, causando estrondosa repercussão.
Em É isto um homem?, na tradução de Luigi del Re, impressiona a ausência de ódio e desejo de vingança por parte de Primo Levi, a despeito de tanto sofrimento.
Quarenta anos depois, o mesmo Levi publica Os afogados e os sobreviventes, que só agora é traduzido no Brasil (Luiz Sérgio Henriques, Paz & Terra, 2016).  (Por que tão longo tempo para esta tradução?) O distanciamento no tempo permitiu ao autor uma análise ainda mais equilibrada sobre o ocorrido, mas não menos sofrida. Vejamos o que ele diz no prefácio:

“Por todos os motivos aqui expostos, a verdade sobre os Lager [campos de concentração] veio à luz através de um caminho longo e de uma porta estreita, e muitos aspectos do universo concentracionário ainda não foram aprofundados. Já transcorreram mais de quarenta anos desde a libertação dos Lager nazistas; este considerável intervalo suscitou, em termos de esclarecimento, efeitos diferenciados, que buscarei arrolar.
Houve, em primeiro lugar, a decantação, processo desejável e normal, graças ao qual os fatos históricos só adquirem suas linhas e sua perspectiva alguns decênios após sua conclusão. No fim da Segunda Guerra Mundial, os dados quantitativos sobre as deportações e sobre os massacres nazistas, nos Lager e em outros lugares, não estavam disponíveis, nem era fácil entender seu alcance e sua especificidade. Somente há poucos anos se veio a compreender que o massacre nazista foi tremendamente “exemplar” e que, se um outro pior não acontecer nos próximos anos, ele será lembrado como o fato central, como a mancha deste século.”

            A mancha de um século não diz respeito apenas a nazistas e judeus, diz respeito a toda humanidade.
            O próprio Levi assinala em toda a sua narrativa que o problema é complexo. Por isso sugiro ao leitor interessado no assunto que leia também Hanna Arendt: Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal. É outro livro fundamental. Não que esta abordagem represente uma outra face da moeda, nada disso; trata-se apenas de outra perspectiva de análise do complexo problema.
            Até hoje há quem faça perguntas do tipo Por que os judeus não fugiram?, Por que não se rebelaram? São questões de difícil resposta, abordadas por Levi com a autoridade de quem vivenciou o problema na carne.
            O interessantíssimo penúltimo capítulo de Os afogados faz referência a cartas escritas por alemães a Primo Levi, depois que o É isto um homem? foi traduzido para o alemão e publicado na Alemanha, para surpresa do autor. São depoimentos tocantes, verdadeiros documentos de valor histórico inestimável, que muito acrescentam ao nosso entendimento.

            

2 comentários:

  1. Um episódio da humanidade que não para de chocar e doer. O único modo de se lidar com ele é pensá-lo, e repensá-lo.

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  2. Concordo tio Paulo. A única forma de trabalhar a dor causada por essa mancha, como dia o Levi, é pensar o assunto. Pensar no que ocorreu. Tentar sentir um ínfimo do que ocorreu. Assim, agradeço o autor do Louco pela indicação dos livros.

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