quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Sobre milagres e ciência

            A crônica de hoje, A ciência do milagre, do grande Hélio Schwartsman no Estadão (23/12) traz o dilema que este blogueiro insiste em reafirmar, o do pensamento religioso versus pensamento científico. Antes de mais nada, alerto o leitor de que não é bem de religião que estamos falando, e sim de modelos de pensamento, formas de pensar, modos de usar o aparelho de pensar.
Nada mais natural que a Igreja Católica promova seus santos; é propaganda, a alma do negócio, já dizia Joãozinho; e o povo gosta de ter seus santos por perto, íntimos, domésticos, domesticados, domesticáveis (há quem coloque a imagem de Santo António de cabeça para baixo num copo dágua, como forma de pressão ou tortura, em busca da realização do milagre); aprecia que falem a mesma língua, facilitando portanto pedidos e agradecimentos, quem sabe um milagre...
            Schwartsman inicia seu arrazoado sempre muito lógico e bem encadeado, próprio de gente que sabe pensar, dizendo que “resta o consolo de que estamos indo bem no campo dos milagres. Em 2007, frei Galvão se tornou o primeiro santo genuinamente brasileiro. ...O caso de um engenheiro brasileiro, que teria se curado inexplicavelmente de uma doença neurológica, acaba de ser reconhecido como o segundo milagre de madre Teresa de Calcutá, que permitirá sua canonização.”
            (Não vem ao caso, mas até eu gosto de alardear que minha irmã Maria Helena nasceu na Maternidade Frei Galvão, em Guaratinguetá! Não foi um milagre, mas tudo correu bem.)
            Concordo com Schwartsman, portanto, quando diz que “A Igreja Católica tem o direito de declarar santo quem bem entender”. Mas também me incomoda “o verniz científico que a Santa Sé tenta dar ao processo. Para assegurar que os milagres atribuídos aos santos não sejam fraudes, eles passam por comissões de médicos e cientistas que se certificam de que o fenômeno não tem explicação natural.” O nome deste verniz é embuste.
            E agora nosso articulista apresenta sua pérola, num parágrafo simples, claríssimo, definitivo:

 “Receio que haja aqui uma confusão epistemológica. Não encontrar explicação é muito mais uma medida da nossa ignorância do que a certeza de um milagre.”

            Mas como é difícil para o ser humano admitir que não sabe! Desde a nossa infância, quando desenvolvemos o que Freud chamou de “onipotência de pensamento”, e que poder ser resumida numa frase também simples: se eu pensei, é porque é verdade. Funciona durante a infância, até como uma forma insipiente e primitiva de pensar, aprendizado e mecanismo de defesa. Se perdura durante a adultidade, torna-se um desastre, passa a funcionar como pensamento mágico, ou pensamento religioso, como gosto de registrar.
            Uma boa análise pode ajudar muito! A vida torna-se muito mais confortável quando aprendemos a dizer, para os outros, mas principalmente para nós mesmos, NÃO SEI!
E arremata Schwartsman, com dose certa de ironia: “Chega a ser suspeito o fato de boa parte dos milagres vir da medicina, mais especificamente de especialidades marcadas pela incerteza, como a oncologia. Provas muito mais convincentes seriam regenerações de membros amputados, mas, curiosamente, essas nunca aparecem.”



Um comentário:

  1. Tem razão. Quem precisa de milagre? E, se há santos, estes não precisam do aval de ninguém: são santos por si. Mas como são raros.

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