segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Uma experiência devastadora


             Enfim, um filme do qual se pode falar livremente sobre o enredo, sem frustrar o futuro expectador. Nas primeiras cenas o tema torna-se explícito: uma mãe, num surto psicótico, mata a própria filha de nove meses de idade, cortando-lhe o pescoço.
            O que mais assusta é que o filme Tristeza e alegria (Sorg og Glaede) é autobiográfico, o diretor dinamarquês Nils Malmros viveu mesmo aquela tragédia, vinte anos atrás. Executá-lo, parece que foi o modo pelo qual ele e a esposa tentam superar um trauma aparentemente insuperável.
            Há quem afirme que a principal função da tragédia grega era preparar o homem comum para a dor e o sofrimento, através da ficção; caso fosse vítima deles algum dia, no mundo real, o homem já os teria experimentado no teatro. Perder um filho deve ser uma dessas dores impensáveis. Somente aqueles que passaram pela experiência podem descrevê-la. Quem nunca experimentou jamais pode afirmar que sabe o que o outro está passando, nem como tentativa de consolo.
            Perder um filho por tê-lo assassinado, “movido” por doença mental grave, bem, isso está muito além da capacidade humana de sentir e pensar. Daí a importância de Tristeza e alegria.
            Através de diálogos delicados, o sofrimento do casal, dos parentes, dos amigos, é exposto ao longo de todo o filme, levando o espectador a um estado crescente de angústia. Superadas as cenas iniciais onde o acidente é apresentado, o enredo trata da vida da mãe deprimida, portadora de psicose maníaco-depressiva (este é o diagnóstico relatado), desde o tempo de solteira, passando pelo casamento, até a chegada do bebê. 
             Em tempo, o filme pode ser descrito como asséptico. Quando o marido chega em casa, o sangue já foi removido, o colchão foi limpo, o corpo removido, a mãe internada sob forte sedação. Não há violência explícita, a violência é de outra ordem.
              O marido, um atuante diretor de cinema, só consegue manter aquela relação por sua infinita amorosidade, o que é belamente expresso numa fala da esposa:
            – Você salvou minha vida!
            Acompanhar os altos e baixos de uma pessoa portadora de doença mental grave, e as repercussões sobre a família, eis o sentido maior do filme de Nils Malmros, indicado como representante do cinema dinamarquês ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
            Ao final do filme, o espectador já está no seu limite emocional, quando, deitados numa cama, o marido faz à mulher a pergunta que nunca teve coragem para verbalizar, passados vinte anos:
            – Ela chorou?
            – Ela gritou...
...

Quanto ao título do filme, é bom ressaltar que Tristeza aparece desde a primeiríssima imagem; Alegria, estou esperando até hoje.


5 comentários:

  1. e essa cena na qual ela mata o bebê é explícita? Ainda estou decidindo se vale a pena...

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    1. Não, Tatyana; embora o tema seja difícil, o filme é delicado, respeita o espectador. Os muito delicados não vão assistir.

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    2. Depois de sua intervenção, Tatyana, acrescentei uma ou duas linhas ao texto original. Obrigado.

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    3. Agora estou um pouco mais perto de tomar a coragem para ver o filme! Obrigada.

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  2. Pensei que soubesse o que é sofrimento. Não sabia.

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