Para possível discussão
entre estudantes e professores
de Medicina.
É possível que há 70 mil
anos, com a chamada Revolução Cognitiva (Harari, 2012) e com o surgimento da
linguagem ficcional, o Homo sapiens
tenha se utilizado de uma caverna como sala de aula. A luz vinha de uma pequena
fogueira. O quadro-negro: as paredes da caverna. O giz: carvão e tintas de
plantas da região. Temas das aulas: as
caçadas, como proteger-se das intempéries, onde encontrar frutas e plantas
comestíveis, enfim, como sobreviver. Talvez uma ou outra aula sobre a
importância da arte, como atestam as pinturas rupestres.
Difícil afirmar se havia um único professor, e os demais
frequentadores da caverna eram todos alunos. Talvez todos fossem as duas
coisas, na tentativa de compartilhar experiências. Mas não é impossível que
algum indivíduo se sobressaísse, assumisse a liderança do grupo, que fizesse o
papel de professor, ou pela experiência e sabedoria acumuladas, ou pela
“oratória”, capacidade de convencimento, simples esperteza. Não sabemos, mas
podemos supor que a sala de aula seja tão antiga quanto o desenvolvimento da
linguagem oral pelo ser humano.
Com o passar dos milênios, surgiram o laptop, o celular,
o tablet, e a sala de aula nunca mais
foi a mesma!
A função do professor perdeu muito do sentido original.
Ele já não pode ser aquele que transmite conhecimento, pois este encontra-se
disponível em maior volume e melhor qualidade na Internet. A tal ponto isso
parece verdade que o professor, nos dias de hoje, pode ser perfeitamente
dispensável. Ou talvez possamos destinar-lhe novas funções. Talvez possa ser
chamado, doravante, de Orientador,
em vez de professor. A seguir esta linha de pensamento, chegaremos facilmente à
extinção da sala de aula.
A menos que também possamos dar outra destinação a sala
de aula, diferente da que vem sendo utilizada nos últimos milênios. A primeira
providência seria mudar-lhe o nome para Ponto de Encontro. E este encontro
jamais deveria ser obrigatório (abolida, portanto, a lista de presença); ao
contrário, lá estariam pessoas que tivessem o genuíno desejo de se encontrarem
para, como nas cavernas, trocar experiências. Afinal, o Homo sapiens encontra-se ainda em franco processo de evolução, e a
troca de experiências permanece como método eficaz de aprendizado.
No Ponto de Encontro, o Orientador talvez pudesse propor
os temas para discussão, tendo em vista prévios debates entre seus pares, com o
objetivo de estabelecer um currículo mínimo. Nada tão rígido que não pudesse
ser modificado por sugestão dos estudantes, também fruto de discussões prévias
entre eles.
Como se trata de encontro, as pessoas devem ser os
protagonistas. A presença de um “quadro-negro” sofisticado, com acesso
instantâneo a Internet pode ajudar. Tablets
e celulares acionados em tempo oportuno, de acordo com a necessidade do grupo
(e não em consequência de divagações pessoais alheias ao que está em debate), prontos
para sanar duvidas ou adicionar informação, são bem-vindos. O Orientador
precisa estar acostumado a estas novas práticas, como por exemplo, ser
contestado por alguma evidência apontada pelo estudante. Porém, não se deve perder o foco do Ponto de
Encontro: as pessoas. E o foco principal jamais será a oferta ou transmissão de
conhecimento.
Como bom exemplo de encontros, relato minha experiência
pessoal com seminários sobre o tema Paciente Terminal, realizados ao longo de
mais de 30 anos, com estudantes de Medicina situados na fase intermediária do
curso e no Internato. Os seminários tinham
2 horas de duração. Na primeira hora, os estudantes apresentavam suas dúvidas,
angústias, temores; o orientador apenas organizava a discussão, garantia a
palavra de alguém com opinião polêmica, colocava alguma ordem no grupo. Na hora
subsequente ele destacava os pontos relevantes discutidos até então,
apresentava pontos de vista próprios, baseados em experiências pessoais, nunca
imponto conceitos ou proferindo a última palavra.
Esta última afirmação é tão verdadeira que, minha opinião
era sempre vencida no seguinte ponto, pela esmagadora maioria dos grupos.
Diante da pergunta formulada pelo paciente, Doutor, quanto tempo tenho de vida?, os alunos afirmavam, quase que
invariavelmente, que a resposta deveria ser baseada na média estabelecida pela
literatura; ao passo que, em meu ponto de vista, a resposta deveria ser Não sei. (O tema já foi tratado com
maior detalhe neste blog: http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2013/07/10-doutor-quanto-tempo-tenho-de-vida.html
.)
Ao final do encontro, restava claro para todos nós que o
importante não era uma conclusão definitiva, uma verdade única, e sim que o
assunto fosse pensado e discutido por cada um dos participantes. Todos
aprendíamos muito.
Este é um exemplo de troca de experiências bem sucedida.
Nunca houve necessidade de utilização de alta tecnologia em tais encontros. O
fator humano sempre preponderou. Findos os encontros, aqueles que o desejassem,
ou se sentissem motivados, tinham todo o tempo do mundo para acionar seus
computadores em busca de mais informações sobre o tema.
Portanto, penso que ainda há espaço para a Sala de Aula,
ou Ponto de Encontro, em nossas universidades, bem como para a utilização da
nova tecnologia disponível, desde que o fator humano seja priorizado.
O texto nos leva a bastante reflexão. Para mim serviu também para ler o texto anterior: Doutor, quanto tempo tenho de vida?, do qual achei especialmente interessante o seguinte trecho - "A ameaça de morte provoca reações emocionais intensas e primitivas, e não podemos esperar que ele possa pensar de forma racional, como o médico pensa ao falar em médias".
ResponderExcluirQue bom que leu, e gostou, Ciça.
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