sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Para que time torce seu filho?


Um casal de grandes amigos recentemente teve gêmeos e quando as crianças completaram 3 meses de idade o pai vestiu-os com a roupinha do Flamengo. Mais precisamente com o “manto sagrado”, segundo o progenitor, flamenguista roxo, nem é preciso dizer. Argumentei com ele que aquilo não era correto, pobres crianças, destinadas a eterno sofrimento. Melhor que fossem palmeirenses. Tudo brincadeira, é claro.
            No dia seguinte surge a imperdível crônica na Folha de S. Paulo, Omissão de socorro, escrita pelo grande Hélio Schwartsman, tratando de assunto sério, porém usando o futebol como metáfora, e com grande senso de humor. (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/208903-omissao-de-socorro.shtml)
Eis o trecho que nos interessa:

“Sou pai de gêmeos e, alguns anos atrás, quando os meninos estavam descobrindo o futebol, expliquei-lhes didaticamente que eu torcia para o Corinthians por ser o melhor time do mundo. Eles se convenceram, mas, pouco depois, provavelmente por influência de coleguinhas, um dos garotos começou a exibir preocupantes tendências são-paulinas. Ato contínuo, aumentei a mesada do que permanecera fielmente corintiano. Funcionou à perfeição. Sem impor nada nem limitar-lhe o livre-arbítrio, fiz com que o filho rebelde retornasse ao bom caminho, onde está até hoje.”

O motivo da crônica surgiu porque uma certa jornalista afirmou que os filhos deveriam ser deixados livres para escolherem seus times de futebol, da mesma maneira que deveriam escolher livremente uma religião (ou a ausência dela, acrescento eu). Estamos falando de uma das coisas mais complicadas desta vida: como educar nossos filhos. (Não é à toa que o Loucoporcachorros vem tratando do assunto com certa frequência: com minhas filhas já crescidas, Gabriela, a netinha de 4 anos de idade, é o alvo desta preocupação.)
            Freud afirmou, não com estas palavras, que há três tarefas impossíveis nesta vida: governar, educar os filhos e psicanalisar. Estamos, portanto, caminhando em terreno movediço.
            Até onde os pais têm direito de impor aos filhos determinadas ideias, como a escolha de uma religião? Mas como bem o disse Schwartsman, “Se o sujeito está convencido de que todos os que não seguem sua religião estão condenados ao inferno, é demais cobrar-lhe que não introduza em sua fé um ser que ama, correndo o que imagina ser o risco de sujeitá-lo a sofrimentos eternos.”
            Bem, quando o articulista fala de “o sujeito”, está a referir-se aos pais, suas convicções e responsabilidades. Quanto mais ferrenhas estas convicções – leia-se aqui, fundamentalistas – maior a chance de deseducar. Porém, a total liberdade de escolha por parte dos filhos gera situação perigosa, como se os pais abrissem mão de seu dever de educadores. (Será esta uma doença do século XXI?)
            Ser pai ou mãe é andar numa corda bamba!
            Schwartsman, no seu papel de filósofo provocador e adepto do consequencialismo, acrescenta um novo viés de pensamento:

“Será que é ético subornar um indivíduo para que faça o que é melhor para ele, como tirar boas notas, parar de fumar, perder peso? Admito que seria preferível fazer as coisas certas pelas razões certas ("pelo sentido do dever", no vocabulário kantiano), mas, se existe um atalho que funciona e o resultado nos parece vital, será que temos o direito de não utilizá-lo? Isso não seria o equivalente moral da omissão de socorro?”

            Bem, sorte tive eu que, com duas filhas mulheres, nenhuma interessou-se por futebol...

3 comentários:

  1. A crônica é ótima. Por trás do humor, a pergunta filosófica: até onde é lícito influenciar as pessoas? Lembro o famoso best-seller "Como ter sucesso e influenciar pessoas" (ou algo parecido). A segunda pergunta: se viver é conviver, como não influenciar pessoas? Principalmente de pais para filhos, parecer ser esta a quarta coisa impossível. Pobres filhos...

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  2. Disse um amigo: "Anos atrás, eu tinha meia dúzia de teorias e nenhum filho; hoje, tenho meia dúzia de filhos e nenhuma teoria".

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