terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Lua-de-mel carioca


    Casaram-se e foram passar a lua-de-mel no Rio de Janeiro.
            Para quem sempre morou no interior e nunca havia visto o mar, aquilo era uma façanha de fazer inveja à inteira Coromandel. Para não passar vergonha, Wander economizou um bom dinheiro nos últimos dois anos. Já que ia para o Rio, viveria como um verdadeiro carioca naquela semana de núpcias.  
            – Deixa comigo, Belinha!, era como chamava carinhosamente a agora esposa.
            Bela, assustada, o olho arregalado para tudo e todos, dava sinal com a cabeça, concordava sempre, confiante no marido.
            Foram à praia, visitaram os pontos turísticos da cidade, foram ao cinema, andaram pelo shopping, Uma enormidade de lojas, exclamava Belinha. Wander ainda não estava satisfeito, desejava impressionar ainda mais a mulher.
Resolveu levá-la ao melhor restaurante de frutos do mar do Rio de Janeiro, em pleno bairro de Ipanema. Há pelo menos seis meses vinha planejando aquele jantar. Obteve informações com uma prima residente em Brasília, médica de ouvido-nariz-e-garganta, viajada, (meio besta, segundo a família), que conhecia bem o Rio e amava a boa comida.
– Vá ao Satyricon, Wander, não tem erro. Belinha vai gostar. Mas leve dinheiro...
Prevenido, Wander levou dinheiro vivo, o bolso da calça estufado, não queria correr riscos.
Não foi difícil localizar o restaurante, o motorista do taxi informou que levava muitos estrangeiros àquele endereço, especialmente italianos, sempre bem acompanhados:
– Doutor, cada mulher mais linda que a outra, tudo puta, o senhor desculpe o palavrão, a senhora também, mas vou avisando para não levarem susto! Mas dizem que a comida é ótima.
Quando desceram do taxi na Rua Barão da Torre, quase esquina com a famosa Vinícius de Moraes, Belinha fez menção em procurar outro restaurante, mas Wander fez-se de desentendido. Entraram.
– Que chiquê!, disse Belinha, o olho arregalado para um aquário cheio de lagostas vivas logo na entrada.
Wander não cabia em si de orgulho e vaidade.
– Isso é que é vida, heim! mulher!
            O maitre arranjou-lhes uma boa mesa, bem no centro do salão, e nem bem haviam sentado, olharam para a mesa ao lado e viram o típico casal anunciado pelo profético motorista de taxi, ambos muito bonitos, ele falando uma língua enrolada, ela quase não falando, nem precisava, o decote e o comprimento do vestido vermelho diziam tudo. Bela fez que não viu. Wander disfarçou.
            Em outra mesa também próxima, um casal de meia idade, ele bem mais velho do que ela, que bebia champanhe, parecia deliciar-se com a comida:
            – Estas são as melhores ostras que já comemos! Deliciosas! Fresquíssimas!
            Wander, que a essa altura já estava atrapalhado para decifrar o cardápio, apavorado com os preços dos pratos, porém ainda empenhado em impressionar Belinha para o resto da vida, chamou o garçom e fez o pedido:
            – O senhor me traga uma garrafa de champanhe, dessa aí que eles estão bebendo, e uma dúzia de ostras.
            Bela, admirada com a desenvoltura do marido, não deu um pio.
            Primeiro chegou o champanhe, mergulhado em balde de prata cheio de gelo, e Belinha achou graça naquelas bolhinhas a subirem pelo nariz, mas gostou e repetiu. Em seguida, a bandeja também de prata, com as ostras acomodadas em cama de gelo. Fatias de limão siciliano estavam dispostas no centro da bandeja.
            Wander, enquanto esperava pelo prato, não tirava o olho da mesa ao lado, observando como o casal (que já atacava a segunda dúzia de ostras) retirava cuidadosamente os moluscos de suas conchas com um pequeno garfo, espremia o limão sobre eles, e levava tudo à boca.
– De um gole só..., pensou Wander, e nada disse.
            Repetiu-lhes o gesto, e depois de espremer o limão sobre a ostra, percebeu que ela se contraia, Parece que está viva, pensou, assustado e com nojo. Comeu mesmo assim, mas não pôde evitar a careta. Ajudou com um bom gole do champanhe, disfarçou novamente, puxou conversa com a esposa.
            – O que está achando da decoração, Belinha?
            – Tudo muito lindo!
            Falaram do tempo, do calor da cidade, da lindeza do mar, até que Wander pediu licença para ir ao banheiro. O que ele queria mesmo era consultar o garçom.
            – O senhor me garante que aquelas ostras não estão estragadas?
            O garçom, surpreso, chamou o maitre, que aparentando certa indignação, foi enfático e definitivo:
            – Servimos as melhores ostras da cidade, senhor. São fresquíssimas, chegaram hoje de Santa Catarina. Pode saboreá-las sem susto! Quanto ao paladar, doutor, é só uma questão de educação.
            Wander voltou desolado para a mesa. O que o maitre queria dizer com aquilo de educação? Será que ele...
             Mas não podia desapontar a esposa. Resolveu comer mais uma, não sem antes perguntar:
            – Você não vai experimentar, Bela?
            – Não gosto de ostra, Wander.
            A terceira Wander não conseguiu engolir. Quando o casal de meia idade levantou-se e cumprimentou-os delicadamente com um aceno de cabeça, Wander pensou que estava na hora de pedir a conta.
            

4 comentários:

  1. No livro de Jorge Amado, Dona Flor insiste e consegue que Vadinho a leve à Boate Bataclan. Lá chegando pede caviar. - Tem gosto e cheiro de xibiu, opina o esposo

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  2. Pobre Wander, sem educação. Gostei da Bela, que é autêntica. Eu, pobre deseducado, diria ao garçom que ostra tem gosto de cais do porto e consistência de muco nasal de gripe forte... E tem gente que paga caro para comer aquilo, e ainda repete!

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