quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Filhos e seus pais


Reportagem de Pedro Butcher para a Folha de S. Paulo neste sábado (14/2), intitulada Filha de Nina Simone exibe documentário sobre a mãe, trata de um interessante aspecto da relação entre pais e filhos, pouco comentado na mídia. (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/208165-filha-de-nina-simone-exibe-documentario-sobre-a-mae.shtml)
Assim tem início o artigo:

“Quando fez 19 anos, Lisa Simone Kelly comunicou à mãe, a cantora Nina Simone, que se alistaria nas forças armadas. "Você pode imaginar o rosto dela quando falei isso? Os jovens encontram as formas mais loucas para atingir seus pais", contou Lisa à plateia do documentário "What Happened, Miss Simone?", um dos destaques da mostra Panorama do Festival de Berlim, exibido na quinta (12). Lisa fez carreira na aeronáutica por dez anos. Foi uma forma de contrariar a mãe e de se vingar da relação tortuosa que tiveram. "Minha mãe podia se tornar um monstro", lembra-se Lisa, que hoje é cantora e acaba de lançar um álbum, "All Is Well"”.

            O tema há de interessar a pais e filhos; aos primeiros, por muitas vezes sentirem-se “responsáveis” pelas atitudes dos filhos; estes, embora sejam os verdadeiros responsáveis pelos seus próprios atos – todos nós o somos –, atribuem aos genitores a “culpa” de suas decisões.
            Em quantas diferentes situações tal reação, por parte de um filho, poderá manifestar-se? Porque, na verdade, não se trata de uma ação, e sim, de um re-ação a alguma outra coisa, mais precisamente, provocada pela relação entre pais e filhos desde a mais tenra infância.
            Na escolha da profissão, por exemplo, e este é o caso da reportagem em questão, uma escolha que geralmente vale para toda uma vida, ela pode constituir-se num desastre, se é feita não conforme as habilidades do filho, mas sim como reação a uma possível orientação dos pais. (Que voltas a filha de Nina Simone precisou dar, para chegar onde provavelmente sempre desejou estar: ser uma cantora, como a mãe!)
O mesmo mecanismo de funcionamento psíquico pode interferir até mesmo nos gostos pessoais, incluindo o gosto pela arte. É bastante plausível que um filho deteste Beethoven porque seu pai ou sua mãe, que o maltratavam de alguma maneira, adoram Beethoven.
            Porém, a ideia que me ocorreu com mais força foi a da influência que podem sofrer os filhos na escolha do esposo ou companheiro, em função da reação à orientação paterna ou materna. O exemplo extremo, que virou filme, é o da menina rica da Zona Sul carioca que escolhe para companheiro o traficante perigoso que se esconde no morro. Com menor intensidade e variáveis mais sutis, há de haver uma gama enorme de situações em que a relação fracassa, porque a escolha não foi espontânea, mas sim “imposta” por uma condição psíquica não reconhecida.
            De qualquer modo, de nada adianta dizer que “a culpa é da mãe”. A responsabilidade é sempre do sujeito, afinal, o dono de sua própria vida. Dar um outro significado às experiências vividas na infância, eis uma árdua tarefa para a vida inteira, porém indispensável, se desejamos ser, de fato, quem realmente somos. A Psicanálise pode oferecer uma boa ajuda nessa empreitada.

3 comentários:

  1. Dá muito o que pensar. Afinal será que alguém consegue pensar por si, sem qualquer influência?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Influência haverá sempre. O problema é desenvolver a capacidade de pensar para decidir por si mesmo, penso eu.

      Excluir