terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O momento de pensar


Há pouco mais de uma semana o filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek, 65, publicou na Folha a crônica Liberalismo falha em proteger seus valores, sobre os recentes acontecimentos na França e suas implicações políticas. (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/01/1575750-liberalismo-falha-em-proteger-seus-valores-comenta-zizek.shtml)
            Despertou-me logo a atenção o primeiro parágrafo do texto, riquíssimo em conteúdo – mesmo que não concordemos com ele –, e apenas sobre ele teço aqui meus comentários, o que poderá ser considerado um grande atrevimento meu. Eis o texto:

Agora, quando estamos todos em estado de choque após a orgia de mortes na redação do "Charlie Hebdo", é o momento certo para criarmos coragem para pensar. Agora, e não mais tarde, quando as coisas se acalmarem, como procuram nos convencer os proponentes da sabedoria barata: o difícil é justamente combinar o calor do momento com o ato de pensar. Pensar na calma e frieza do dia seguinte não gera uma verdade mais equilibrada; em vez disso, normaliza a situação, permitindo que evitemos enxergar o fio cortante da verdade.”

            A capacidade de Zizek despertar polêmicas é bem conhecida e parece que ele usa tal característica como uma missão, para a qual é preciso ter muita coragem. Em tudo que ele toca, vira discussão. O que é muito bom, em meu ponto de vista, no mundo certinho e politicamente correto em que vivemos.
            Porém, talvez ele tenha exagerado na introdução de suas ideias sobre os atentados terroristas na França. Talvez... melhor pensar um pouco mais...
            Pensar no calor da emoção, e não mais tarde, “quando as coisas se acalmarem”, é o que propõe o filósofo. Entendo que a expressão “quando as coisas se acalmarem”, da forma que foi utilizada por Zizek, diz respeito ao mundo exterior, aos fatos, aos acontecimentos que se sucederão após a tragédia, tanto de um lado como de outro, nesta espécie de Cruzada do século XXI.
            O que desejo considerar aqui é que a expressão “quando as coisas se acalmarem” pode perfeitamente aplicar-se ao mundo interno, quando sentimentos os mais variados como susto, ódio (especialmente o ódio cego do fundamentalismo), amor – por que não? –, consideração pelo semelhante, medo, desejo de vingança, e tantas outras emoções tenham arrefecido, permitindo que o “aparelho de pensar” (Bion) volte a funcionar normalmente.
            Ainda bem que Zizek admite que “o difícil é justamente combinar o calor do momento com o ato de pensar”. Eu diria que não é difícil; é impossível, pela própria natureza humana. Antes de tudo, precisamos reconhecer nossos impulsos mais primitivos, originários de regiões profundas de nosso ser, sobre as quais temos pouca ou nenhuma ingerência. A única arma contra tais impulsos é o pensamento, isso quando ele pode se manifestar. E é preciso tempo para que se possa pensar.
            O polemista filósofo faz questão de levar suas ideias às últimas consequências, e reafirma que “pensar na calma e frieza do dia seguinte não gera uma verdade mais equilibrada”. O que ele propõe, portanto, é “pensar” na agitação e calor do momento da explosão. Digo que isso não é pensar, e sim, soltar a besta fera que carregamos desde o nascimento da humanidade, cuja domesticação vem sendo perseguida tenazmente pelo processo civilizatório.
            Slavoj Zizek adora soltar os cachorros e criar polêmica. Ele é bom nisso, e o admiro por isso. Ele não deseja “normalizar a situação”, afirma em seguida. Normalizar aqui significa acomodar-se, que também é uma forma de não-pensar. Pensar dá muito trabalho. O normal – aquilo que já está pronto – não exige pensamento. É a lei do menor esforço.
Porém, normalizar, acomodar-se, retomar a inércia do cotidiano pode significar também perder a capacidade de indignar-se, uma trágica e frequente manifestação da sociedade contemporânea. Se foi isso que Zizek pretendeu com seu texto – que manifestemos nossa indignação! – então concordo com ele.
            E para terminar o denso parágrafo que dá início à crônica, o filósofo afirma que a tal normalização nos impede de “enxergar o fio cortante da verdade”. No que ele tem toda razão: quando não pensamos, permanecemos distantes da verdade. Este o grande problema do fundamentalismo, seja ele de que natureza for: a ausência de pensamento. Paradoxalmente, Zizek parece atacar o fundamentalismo utilizando-se de seu próprio veneno.
            Por precaução, acrescentei aos meus comentários iniciais que talvez seja melhor pensar mais um pouco. E se Zizek estiver com a razão?
           

5 comentários:

  1. Essa coisa de pensar parece pressupor que com ela se há de alcançar uma verdade. O que só é admissível quando se acrescenta o adjetivo "provisória", precedido do advérbio "muito". Imagine-se então se o pensar for acalorado!

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  3. E quem disse que alguém precisa ter razão?

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