Alfredinho, desde pequeno, considerava-se um perfeccionista,
mesmo antes de saber o significado desta difícil palavra. Ouvia-a dos pais, dos
tios, até de uma avó bem velha, muito crítica e rabugenta, na opinião da
família. Mas foi a palavra ouvida da boca dos professores que o influenciou de
maneira definitiva, Esse menino é um perfeccionista!
Ano após ano repetiam todos aquele
bordão, até que Alfredinho aprendeu o significado da palavra perfeccionista,
precisou ir ao dicionário, já sabia ler aos sete anos de idade, aquele
que realiza tudo com perfeição. Agora estava claro, e o menino
incorporou aquela definição como algo seu, desde o nascimento.
A primeira
consequência desta incorporação foi que o menino transformou-se no primeiro
aluno da classe, de todas as classes. Praticamente um gênio, repetiam os
professores, e perfeccionista! No boletim, apenas notas 10!
Forte,
alto, de porte atlético, Alfredo também se destacava nos esportes, o que
aumentou em muito sua popularidade na escola, entre os meninos. Vestia-se com
apuro, com roupas de marca, como se diz, o que o tornou cobiçado pelas meninas.
Chegou o
momento de entrar para a faculdade, escolher uma carreira, uma profissão. Vai
ser médico, e acabará por ganhar o primeiro Nobel para o Brasil, vaticinou a
avó rabugenta. O pai, engenheiro da Estrada de Ferro Central do Brasil,
garantiu que o filho seria um físico nuclear, e que o Nobel de Física estava no
papo! Fosse qual fosse a escolha, o nosso Nobel estava garantido, era a opinião
até mesmo da vizinhança, que a fama do garoto corria mundo.
Para
surpresa geral, Alfredinho anunciou solenemente, em reunião de família e
agregados, Vou fazer Faculdade de Letras!
LETRAS?, exclamaram todos em uníssono. L-e-t-r-a-s,
confirmou o rapaz. De sua velha poltrona a avó profetizou, Nada mal, bem que
merecemos um Nobel de Literatura, pois até Portugal tem o seu, aquele herético do
Saramago... E a Argentina tem o Borges, que não ganhou o prêmio, mas merecia,
acrescentou o pai.
Já
ao final dos estudos, prestes a se formar, Alfredinho decidiu que chegara o
momento de escrever um livro, seu primeiro livro. Será um romance de 800 páginas,
anunciou ele, digno de um Tolstói, de um Thomas Mann, de um Jonathan Littell.
Ainda não tinha a história bem delineada na cabeça: havia um padre pedófilo,
que acabava assassinado, e desvendar o crime era parte do romance; havia também
um escândalo financeiro que abalaria toda a estrutura familiar, o que
provavelmente estaria ligado ao assassinato do padre; o patriarca tinha uma amante
ambiciosa, porém incapaz de cometer um crime, ainda mais a morte do padre por
estrangulamento; nos bons tempos, chegaram a visitar o Papa, episódio que seria
descrito com minúcias no livro; um suicídio não poderia faltar; o neto rico,
vagabundo, motoqueiro e viciado em drogas era o desgosto da família; dois
divórcios rumorosos também abalaram a reputação do tradicional sobrenome
quatrocentão; por aí afora. Era só começar que a história haveria de se
desenrolar com perfeição, Verdadeiro fluxo de consciência, dizia nosso futuro
Nobel.
Perfeccionista,
Alfredinho resolveu começar pelo título do romance, tarefa que se revelou
complicada desde o início.
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O crime do Padre Amparo: muito parecido com o Eça...
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O Patriarca: religioso demais...
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O castigo: não falta nem o crime para sugerir Dostoiévski...
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Os Carvalhosas: Thomas Mann já escreveu Os Buddenbrooks...
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Céu e inferno: dramático demais, parece Dante...
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Gotas de fel: lembra Marcelino pão e vinho, afirmou a avó...
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Doutor Boris: parece Goethe...
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Flores de abril: mas que viadagem é essa?, disse o pai...
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O tempo levou: pior ainda...
...
A
avó crítica e rabugenta comentou, Parece que nosso Nobel ainda vai demorar.
Era o caso de perguntar se Saramago, Neruda ou Hermann Hesse se consideravam perfeccionistas. Acho que responderiam com uma gargalhada...
ResponderExcluirA avó é a mas realista de todos os sonhadores perfeccionistas!!!! RS muito bom Tio!
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