sexta-feira, 7 de março de 2014

Transitoriedade da beleza e da felicidade


Escrito em novembro de 1915, o ensaio de Freud intitulado A transitoriedade foi escrito a pedido da Sociedade Goethe de Berlim, para um volume do qual participavam outros escritores, em homenagem ao grande poeta alemão. Privilegiava-se, portanto, a literatura, e Freud foi escolhido exatamente por seus dotes literários, comprovados mais uma vez pelo ensaio cujo início aqui transcrevo, na tradução de Paulo César de Souza:

“Não faz muito tempo empreendi, num dia de verão, uma caminhada através de campos sorridentes na companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário à nossa volta, mas não extraía disso qualquer alegria. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção, de que desapareceria quando sobreviesse o inverno, como toda a beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria amado e admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à transitoriedade.” (1)

            Freud não acredita nessa visão pessimista do poeta e refuta-a veementemente:

“Pelo contrário, significa maior valorização! Valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo. A limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua preciosidade. É incompreensível, afirmei, que a ideia da transitoriedade do belo deva perturbar a alegria que ele nos proporciona.”

         E o criador da Psicanálise completa sua argumentação com uma frase de grande efeito estético:

“Se existir uma flor que floresça apenas uma noite, ela não nos parecerá menos formosa por isso.”

         O que Freud ressalta, antes de mais nada, é o “valor da realidade”, em oposição a uma “ilusão, ao desejo ardente de salvaguardar o que amamos, a esse sentimento lírico que anima os sentimentos e o pensamento do poeta”, nas palavras de Edmundo G. Mango (Freud com os escritores, J.-B. Pontalis e E.G Mango, Três Estrelas, 2013).
        
         Reconhecer esta realidade, eis a questão! Da mesma maneira, podemos pensar que é fundamental reconhecer os momentos de felicidade. A partir das ideias de Freud é possível estabelecer uma analogia entre Beleza e Felicidade. Tão importante quanto reconhecer a realidade, não se deixando enganar pela ilusão do desejo, é saber reconhecer os momentos desse sentimento a que chamamos felicidade. Há os que se iludem ao pensar que felicidade deve ser, ou pode ser, um estado de espírito permanente, o que não existe neste mundo, onde as frustrações preponderam. Para estes, como não pode ser permanente, então a felicidade não existe, o que gera profundo sentimento de melancolia.
         A felicidade existe – mesmo que momentânea –, e é preciso saber reconhecê-la, considerando sempre a realidade. A felicidade se esconde nas coisas mais simples, despretensiosas, como uma boa conversa entre dois irmãos. Às vezes vamos encontrá-la numa radiosa manhã de sol à beira mar, em um bom livro, num ótimo filme capaz de proporcionar rica troca de ideias entre dois amantes, e sobretudo na relação amorosa.
         Porém, como a flor que se abre apenas em uma noite, a felicidade é sempre transitória.


Um comentário:

  1. Bonita crônica, a transmitir serenidade e calma. Faz bem ao leitor. É mais um momento de felicidade.

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