O último número
da revista Serrote (Instituto Moreira Salles, No 18, nov. 2014) traz
surpreendente ensaio do americano Joseph Epstein intitulado Infantocracia: cada
menino, um delfim. O primeiro parágrafo do ensaio resume as ideias do autor:
“Nos Estados Unidos, vivemos hoje uma infantocracia,
estamos sob o poder das crianças. ... As crianças passaram de figurantes a
protagonistas da vida doméstica, e cada vez mais atenção tem sido dedicada a
elas, à sua criação, às suas pequenas conquistas, à melhora da relação que
podem ter com pais e avós. Nos últimos 30 anos, pelo menos, temos despendido
vastas quantias e angústias com nossas crianças, de um modo sem precedentes na
vida americana e talvez na de qualquer outra parte do mundo. Tamanho é o peso
de toda essa preocupação com as crianças que isso vem exercendo uma tirania
muito peculiar, sutil, mas generalizada. É isso que chamo de infantocracia, uma
opressiva, maçante e tristemente desorientada infantocracia.”
O autor compara o comportamento dos
pais e filhos de sua geração com os atuais; enfatiza a liberdade que outrora
era oferecida às crianças, pelo simples fato delas não serem incomodadas o
tempo todo com a série infindável de obrigações a elas impingidas nos dias
hoje. “Quanto mais velho fico, mais grato sou a meus pais por terem permanecido
fora do meu caminho”, diz Epstein.
As consequências dessa obsessiva preocupação
com a educação infantil já se faz notar no comportamento dos adolescentes e
adultos jovens de hoje. O autor afirma:
“... observo nos jovens de hoje, no final do ensino
médio ou já na faculdade, uma total ausência de timidez em expressar suas
opiniões, seus comentários e suas intuições geralmente pouco profundas. Foram
muitos os que conheci que superestimam seu fascínio pessoal. Mas, afinal, por
que agiriam de outro modo? Seus pais passaram anos falando o quanto eles eram
tremendamente encantadores.”
Após 40 anos de trabalho como
professor universitário, pude observar a nítida mudança de comportamento dos
estudantes em sala de aula. O que Epstein chama de ausência de timidez, não
reluto em chamar de franca e desafiadora agressividade, acompanhada de
arrogância pretenciosa – o leitor perdoe-me o pleonasmo. As encantadoras
crianças transformam-se em adultos excessivamente narcisistas, que tudo sabem –
ou pensam que sabem –, diante de professores assustados, acuados, sem saber
como lidar com um grupo estranho, relação que se torna ainda mais difícil
exatamente por se tratar de grupo.
O uso disseminado de laptops, tablets
e smartfones em sala de aula agrava ainda mais a relação aluno-professor. A
sensação de tudo saber é reforçada pela massa de informações disponíveis ao
estudante quase que instantaneamente. Ele não olha mais para o professor; e este
tem duas opções: ou olha para os alunos e se sente muito mal, abandonado,
perdido mesmo, pregando no deserto, ou olha para as paredes, para o teto, para
seu próprio aparelho eletrônico.
Outro dia um colega descreveu-me a
seguinte cena: após ter feito determinada afirmação durante uma aula, poucos
segundos depois, o aluno que acompanhava o tema pela Internet interrompeu-o e
disse, Professor, o Dr. Fulano de Tal – uma autoridade no assunto – concorda
com o que você está dizendo! Assustado, o colega respondeu, Ainda bem...
Bem verdade que me desviei do tema
desenvolvido por Joseph Epstein, em busca de entendimento maior sobre a relação
aluno-professor em sala de aula, o que tem me angustiado nos últimos tempos, a
ponto de me afastar de tal atividade, mesmo quando sou convidado por alguns
colegas. Talvez a infantocracia não seja a única responsável pela mudança de
comportamento dos jovens, mas certamente há de exercer algum tipo de
influência, ainda mal investigada entre nós.
Assim termina o ensaio: “Minha única
esperança é que o absurdo dos arranjos contemporâneos seja percebido com o
tempo, e as pessoas gradualmente se deem conta da tolice que é continuar
devotando uma atenção extenuante a seus filhos. ... Só então os pais voltarão a
conseguir viver sua própria vida...”
Muito bom! Dá o que pensar...
ResponderExcluirDe fato a criançada manda e os jovens não têm limites nem autocrítica.
Ambos difíceis de aguentar...
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