segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Tirania das crianças, arrogância dos jovens




            O último número da revista Serrote (Instituto Moreira Salles, No 18, nov. 2014) traz surpreendente ensaio do americano Joseph Epstein intitulado Infantocracia: cada menino, um delfim. O primeiro parágrafo do ensaio resume as ideias do autor:

“Nos Estados Unidos, vivemos hoje uma infantocracia, estamos sob o poder das crianças. ... As crianças passaram de figurantes a protagonistas da vida doméstica, e cada vez mais atenção tem sido dedicada a elas, à sua criação, às suas pequenas conquistas, à melhora da relação que podem ter com pais e avós. Nos últimos 30 anos, pelo menos, temos despendido vastas quantias e angústias com nossas crianças, de um modo sem precedentes na vida americana e talvez na de qualquer outra parte do mundo. Tamanho é o peso de toda essa preocupação com as crianças que isso vem exercendo uma tirania muito peculiar, sutil, mas generalizada. É isso que chamo de infantocracia, uma opressiva, maçante e tristemente desorientada infantocracia.”

            O autor compara o comportamento dos pais e filhos de sua geração com os atuais; enfatiza a liberdade que outrora era oferecida às crianças, pelo simples fato delas não serem incomodadas o tempo todo com a série infindável de obrigações a elas impingidas nos dias hoje. “Quanto mais velho fico, mais grato sou a meus pais por terem permanecido fora do meu caminho”, diz Epstein.
            As consequências dessa obsessiva preocupação com a educação infantil já se faz notar no comportamento dos adolescentes e adultos jovens de hoje. O autor afirma:

“... observo nos jovens de hoje, no final do ensino médio ou já na faculdade, uma total ausência de timidez em expressar suas opiniões, seus comentários e suas intuições geralmente pouco profundas. Foram muitos os que conheci que superestimam seu fascínio pessoal. Mas, afinal, por que agiriam de outro modo? Seus pais passaram anos falando o quanto eles eram tremendamente encantadores.”

            Após 40 anos de trabalho como professor universitário, pude observar a nítida mudança de comportamento dos estudantes em sala de aula. O que Epstein chama de ausência de timidez, não reluto em chamar de franca e desafiadora agressividade, acompanhada de arrogância pretenciosa – o leitor perdoe-me o pleonasmo. As encantadoras crianças transformam-se em adultos excessivamente narcisistas, que tudo sabem – ou pensam que sabem –, diante de professores assustados, acuados, sem saber como lidar com um grupo estranho, relação que se torna ainda mais difícil exatamente por se tratar de grupo.
            O uso disseminado de laptops, tablets e smartfones em sala de aula agrava ainda mais a relação aluno-professor. A sensação de tudo saber é reforçada pela massa de informações disponíveis ao estudante quase que instantaneamente. Ele não olha mais para o professor; e este tem duas opções: ou olha para os alunos e se sente muito mal, abandonado, perdido mesmo, pregando no deserto, ou olha para as paredes, para o teto, para seu próprio aparelho eletrônico.
            Outro dia um colega descreveu-me a seguinte cena: após ter feito determinada afirmação durante uma aula, poucos segundos depois, o aluno que acompanhava o tema pela Internet interrompeu-o e disse, Professor, o Dr. Fulano de Tal – uma autoridade no assunto – concorda com o que você está dizendo! Assustado, o colega respondeu, Ainda bem...
            Bem verdade que me desviei do tema desenvolvido por Joseph Epstein, em busca de entendimento maior sobre a relação aluno-professor em sala de aula, o que tem me angustiado nos últimos tempos, a ponto de me afastar de tal atividade, mesmo quando sou convidado por alguns colegas. Talvez a infantocracia não seja a única responsável pela mudança de comportamento dos jovens, mas certamente há de exercer algum tipo de influência, ainda mal investigada entre nós.
            Assim termina o ensaio: “Minha única esperança é que o absurdo dos arranjos contemporâneos seja percebido com o tempo, e as pessoas gradualmente se deem conta da tolice que é continuar devotando uma atenção extenuante a seus filhos. ... Só então os pais voltarão a conseguir viver sua própria vida...”
            

2 comentários:

  1. Muito bom! Dá o que pensar...
    De fato a criançada manda e os jovens não têm limites nem autocrítica.

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