segunda-feira, 17 de novembro de 2014

pobre homenagem a manoel de barros


manoel só podia mesmo escrever
a lápis
em caderninhos costurados
à mão
(papel de pão)

porque computador não aceita
certas palavras
lesma               estandarte        árvore
passarinho       sapo                água
rio                    inseto              besouro

ou expressões
detritos semoventes    chevrolé gosmento
coisa ordinária             louco de água
alicate cremoso            lodo das estrelas
terreno baldio               algibe entupido de silêncio

especialmente a palavra borboleta
que logo voa da tela
para o teclado
querendo escrever também
poesia borboletante

manoel só podia mesmo
escrever à mão
(e a lápis)
em dignos caderninhos
de insignificâncias

cada palavra
qualquer que seja
tem seu valor
(como os homens)
e serve para a poesia

por exemplo – lobisomem
serve demais
para a poesia
depois da descoberta que
“ovo de lobisomem não tem gema”

pode-se até imaginar
o poeta perdido no pantanal
(da infinita imaginação dele)
à procura de ovos de lobisomem
achou um, quebrou na pedra

gema não havia
é de lobisomem!
exclamou manoel
a lápis, em seu caderninho
costurado à mão



Um comentário:

  1. Bonita e autêntica homenagem! Escrever em papel de pão é a mais concreta das poesias. Nenhum concretista doutrinário jamais fez melhor.

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