Em
algum lugar, num tempo perdido, li o que alguém escreveu: Os passos em volta, de Herberto Helder, é o melhor livro de contos
da língua portuguesa. Não pude evitar, corri atrás.
Foi
assim com outro português, Miguel Torga, no dizer de alguém de peso na literatura,
que era um dos cinco maiores escritores da língua portuguesa de todos os
tempos. Essas coisas me impressionam, sabe! Corri atrás, li praticamente toda a
vastíssima obra de Torga, incluindo sua poesia, com destaque para os Diários, e
não me arrependo.
Não
foi fácil encontrar o livro de Herberto Helder, na bela edição da Assírio &
Alvim (11a edição, 2013; a primeira edição é de 1963), capa dura, folhas
de guarda de papel grosso, cabeceado, miolo de ótima qualidade. Nascido em
Funchal, Ilha da Madeira, Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira (1930) é
dono de vastíssima obra, pouco conhecida no Brasil. De fato, não tem uma
escrita fácil, o português.
Iniciei
a leitura há uns meses atrás e confesso aqui meu desapontamento. Acho que não
passei do terceiro conto, perdido em meio a uma escrita refinada, porém
dispersa, sem rumo, fluida, inalcançável para mim naquele momento.
Agora
volto ao livro e encontro uma pequena obra prima. Não é a primeira vez que isso
me acontece, defeito no aparelho de pensar.
O
primeiro conto intitula-se Estilo.
Assim tem início:
“–
Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi
muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes
já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num
quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo
levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um
volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira,
está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito
depressa. Há felizmente o estilo.”
E
por aí vai o autor, pregando a necessidade de se ter um estilo, para sobreviver sem enlouquecer.
Lembrei-me
de dois conceitos interessantíssimos em Winnicott, o de self verdadeiro e o de falso self.
Penso que o estilo de que trata Helder em seu conto (ficção?) tanto pode
referir-se ao verdadeiro como ao falso self.
Não
é fácil reconhecer nas pessoas com quem convivemos socialmente, quanto há de
falso self no comportamento delas, o que torna, às
vezes, impossível esta mesma convivência. Mas o falso self também se desenvolve
para que o sujeito não enlouqueça, desde a mais tenra infância, diante de
“agonias impensáveis” (Winnicott).
Ainda
não terminei Os passos em volta, mas
não pude deixar de registrar aqui a forte impressão que me causou dessa vez o
estilo do homem. Quem sabe ele ainda volta a este blog!
Não é fácil o gajo. Mas pelo visto agora pegou na veia...
ResponderExcluir