Entrou no
botequim porque pre-ci-sa-va de um trago – um único trago –, que tinha
compromisso com hora marcada, não podia perder a hora, coisa de grande
importância para seu próprio futuro.
O inesperado foi encontrar Alcides,
amigo de infância que não via há anos, sentado numa mesa no fundo do bar,
tomando calmamente sua cervejinha. O segundo trago foi em comemoração àquele
encontro feliz, saudado por ambos com entusiasmo.
–
Lembra, Alcides, de Dona Clementina, professora de música do ginásio?
–
Claro que me lembro, Adalberto, dela e seus terríveis exercícios de solfejo,
cobrados na prova oral de fim de ano. A turma toda ficava trancada numa sala e
os alunos eram chamados de cinco em cinco, em frente da professora, para um
determinado solfejo, sorteado no início da prova, e que seria repetido para
toda a turma.
Então
combinamos com o Aldo, do primeiro grupo, assim que terminasse a prova,
soltaria o número de foguetes correspondentes ao número do solfejo sorteado,
para que tomássemos conhecimento do ponto escolhido.
E
assim foi feito. Logo ouviram-se seis tiros, que evidentemente indicavam o
solfejo número seis. Todos abriram seus cadernos na página correspondente,
preparando-se para a temida arguição.
De
repente, mais dois tiros! É o número oito, exclamaram todos.
Não
se passaram três minutos e pipocaram mais três foguetes.
–
Puta que pariu, é o número onze, gritou Roberval, agitadíssimo com aquela
incerteza toda.
Mais
quatro estampidos ... e agora ninguém acreditava mais na porra do Aldo. O
foguetório continuou até o final da prova, sem que se soubesse afinal o número
do solfejo sorteado.
–
Pura sacanagem. Não é uma história deliciosa, Adalberto? Por fim, fomos todos
aprovados.
Iam
já pelo décimo trago, Êta pinguinha boa, sô!
–
Alcides, você se lembra daquele jogo de futebol de salão – o nome futsal é
coisa recente – em que você marcou oito gols? Oito gols num único jogo!
–
Claro, foi meu dia de glória.
–
Durante uma semana só se falou disso na escola – Alcides, a revelação! Você estava
possuído, Alcides?
–
Sei lá, mas durou pouco minha fama de artilheiro, no jogo seguinte voltei para
a lateral esquerda...
Abriram a terceira garrafa, em
comemoração àquelas lembranças formidáveis.
– Adalberto, lembra-se das aulas de
Religião? Todos queriam matar a aula, menos você, que era um ateu convicto e
queria peitar o padre. Sua argumentação era tão convincente que arrastava o
restante da turma, todos contra o padre. Na terceira aula o padreco desistiu,
Vão todos para o inferno, exclamou raivoso, talvez, ele sim, possuído.
As histórias se sucediam. Os copos
também. Quem os visse de longe naquela mesa de bar diria que eram os homens
mais felizes do mundo, ou melhor, dois meninos falando alto, soltando sonoras
gargalhadas em meio às recordações da infância. A noite há muito havia caído
sobre o boteco.
Até que chegaram as putas. Sóbrias,
não foi difícil arrastarem os dois amigos para um programa.
Acordaram num quarto barato de
hotel, com uma dor de cabeça cavalar, o sol alto no céu azul de Paraíso. Foram
depenados.
Foi quando Adalberto lembrou-se do
compromisso com hora marcada, coisa de grande importância para seu futuro – o
próprio casamento. Mas ele precisava de um trago...
Muito bom! As recordações da infância tantas vezes fazem as vezes de uma cachacinha... Recordar é viver - e deixar por um momento o insuportável realismo do presente.
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