Morreu hoje
Manoel de Barros, poeta mato-grossense, aos 97 anos de idade.
Praticamente um
menino!
Ao perder um
menino-poeta o mundo fica mais triste.
Dele, meu poema
favorito é Matéria de Poesia.
MATÉRIA DE POESIA
1.
Todas as coisas cujos
valores podem ser
disputados no cuspe à
distância
servem para a poesia
O homem que possui um
pente
e uma árvore
serve para poesia
Terreno de 10×20, sujo de
mato – os que
nele gorjeiam: detritos
semoventes, latas
servem para poesia
Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros
abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia
As coisas que não levam a
nada
têm grande importância
Cada coisa ordinária é um
elemento de estima
Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral
O que se encontra em ninho
de joão-ferreira:
caco de vidro, garampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia
As coisas que não
pretendem, como
por exemplo: pedras que
cheiram
água, homens
que atravessam períodos de
árvore,
se prestam para poesia
Tudo aquilo que nos leva a
coisa nenhuma
e que você não pode vender
no mercado
como, por exemplo, o
coração verde
dos pássaros,
serve para poesia
As coisas que os líquenes
comem
-
sapatos, adjetivos -
têm muita importância para
os pulmões
da poesia
Tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e
mija em cima,
serve para poesia
Os loucos de água e
estandarte
servem demais
O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso
Tudo que explique
o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta
Pessoas desimportantes
dão para poesia
qualquer pessoa ou escada
Tudo que explique
a lagartixa de esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a
poesia
O que é bom para o lixo é
bom para poesia
Importante sobremaneira é a
palavra repositório;
a palavra repositório eu
conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de
silêncio
sabe a destroços
As coisas jogadas fora
têm grande importância
-
como um homem jogado fora
Aliás, é também objeto de
poesia
saber
qual o período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na
Terra
sem nascerem
em sua boca
as raízes da
escória
As coisas sem
importância
são bens de poesia
Pois é assim
que um
chevrolé gosmento
chega
ao poema,
e as andorinhas
de junho.
Maravilha! Nunca haverá outro igual.
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