quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Homenagem a Manoel de Barros




Morreu hoje Manoel de Barros, poeta mato-grossense, aos 97 anos de idade.
Praticamente um menino!
Ao perder um menino-poeta o mundo fica mais triste.
Dele, meu poema favorito é Matéria de Poesia.


MATÉRIA DE POESIA

1.

Todas as coisas cujos valores podem ser

disputados no cuspe à distância

servem para a poesia

O homem que possui um pente

e uma árvore

serve para poesia

Terreno de 10×20, sujo de mato – os que

nele gorjeiam: detritos semoventes, latas

servem para poesia

Um chevrolé gosmento

Coleção de besouros abstêmios

O bule de Braque sem boca

são bons para poesia

As coisas que não levam a nada

têm grande importância

Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo

tem seu lugar

na poesia ou na geral

O que se encontra em ninho de joão-ferreira:

caco de vidro, garampos,

retratos de formatura,

servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como

por exemplo: pedras que cheiram

água, homens

que atravessam períodos de árvore,

se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma

e que você não pode vender no mercado

como, por exemplo, o coração verde

dos pássaros,

serve para poesia

As coisas que os líquenes comem

-       sapatos, adjetivos -

têm muita importância para os pulmões

da poesia

Tudo aquilo que a nossa

civilização rejeita, pisa e mija em cima,

serve para poesia

Os loucos de água e estandarte

servem demais

O traste é ótimo

O pobre-diabo é colosso

Tudo que explique

o alicate cremoso

e o lodo das estrelas

serve demais da conta


Pessoas desimportantes

dão para poesia

qualquer pessoa ou escada

Tudo que explique

a lagartixa de esteira

e a laminação de sabiás

é muito importante para a poesia

O que é bom para o lixo é bom para poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório;

a palavra repositório eu conheço bem:

tem muitas repercussões

como um algibe entupido de silêncio

sabe a destroços

As coisas jogadas fora

têm grande importância

-       como um homem jogado fora


Aliás, é também objeto de poesia 
saber
 qual o período médio
que um homem jogado fora

pode permanecer na Terra
 sem nascerem
em sua boca
 as raízes da escória

As coisas sem importância
 são bens de poesia


Pois é assim
 que um chevrolé gosmento
 chega
ao poema,
 e as andorinhas de junho.


Foto: http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2014/11/morre-aos-97-anos-o-poeta-manoel-de-barros

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